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quinta-feira, 19 de julho de 2018

Metamorfose ambulante


Quando jovem ainda senti uns laivos de interesse pela psicanálise. Não sei porquê, essa sensação evaporou-se-me da mente como gasolina ao ar.
Talvez Freud soubesse explicar esse meu interesse rápido e o desinteresse repentino pela psicanálise. Talvez por ter lido uma tese de uma inimiga dele, dizendo que ele era um demolidor de ídolos e que ele, Freud, esmagava as ideias dos outros até à exaustão. E acrescentou: "Nenhuma ideia pré-concebida lhe escapava". Agora que estou velho, voltou a despertar em mim, outra vez, o interesse pela psicanálise.
Comecei a chafurdar na vida de Freud , nome que, ao longo de toda a vida, ouvi a ser citado por psicanalistas e outros que, por qualquer motivo diziam a mesma frase: "Freud explica".
Fui tentar então saber quais as explicações de Freud.
O homem chamava-se Sigmund Schlomo Freud, nasceu na Morávia em 1856 e foi fundador da Psicanálise. Na universidade começou por se interessar pela sexualidade das enguias e mais tarde, passou a estudar a "anatomia e a histologia do cérebro do homem." Nos estudos encontrou elementos comuns entre a organização cerebral humana e a dos répteis e então começou a questionar a supremacia do homem sobre os outros animais. Serviu-se da hipnose para aceder aos conteúdos mentais no tratamento dos seus pacientes com histeria. Quando viu a melhoria dos pacientes, elaborou a hipótese de que a causa da doença era psicológica e não orgânica. Essa hipótese serviu como base para outros conceitos, como o do inconsciente. Ficou conhecido pelas teorias dos mecanismos de defesa, da repressão psicológica e por aí fora.
O psiquiatra Reinaldo José Lopes, outro inimigo de Freud, defende na sua tese que Freud, o pai da psicanálise, nunca explicou coisa nenhuma, apenas se limitou a interpretar.
Enquanto pesquiso a vida de Freud, e para complicar mais um bocadinho, surgiu do nada na minha “playlist” do You Tube a música do Raul Seixas, "Metamorfose ambulante",
interpretada pelo músico, também ele brasileiro, Zé Ramalho, onde, às tantas, num simulacro de entrevista ele diz:- O Freud explica! Quando lhe perguntam: - Zé, o que é a metamorfose ambulante? O tamanho do pénis influencia no processo de criação da música? No corpo da letra da canção encontrei a resposta:
"se hoje sou estrela amanhã já se apagou, se hoje eu te odeio amanhã tenho-te amor, faço amor, eu sou um ator, eu vou desdizer aquilo tudo que eu disse antes, prefiro ser essa metamorfose ambulante"
Freud está para a psicanálise como António Sérgio e Fernando Pessoa estavam para Teixeira de Pascoaes.
Segundo Álvaro Giesta, investigador e ensaísta, quando o pai de Teixeira de Pascoaes, que era amigo de António Sérgio, mostrou orgulhosamente os escritos do filho, adivinhando um futuro risonho para o jovem escritor com o apoio dos dois dinossauros, Sérgio pegou nos escritos e num tom jocoso, fez um gesto para trás das costas, mas para a parte de baixo:
-Olha, limpa mas é o cu a isto!
Afinal Freud, para ser endeusado, infernizou a vida e as ideias dos outros cientistas, matando-os à nascença, sem que alguma vez tivesse demonstrado cientificamente seja o que fosse. O Teixeira de Pascoaes sentiu também essa atrocidade na pele. Nunca foi um escritor de topo, porque Sérgio e Pessoa encarregaram-se de o “diabolizar”, tal como hoje o moribundo diabolizou o governo, jornalistas e políticos, fazendo acreditar que os políticos que governam Portugal são passarinhos.
Será que Freud explica se eles sofreram alguma metamorfose?


E eu, será que sofri de alguma também? Pelo menos mantenho parcenças com os meus ancestrais.

Adérito Barbosa in olhosemlente

quarta-feira, 11 de julho de 2018

AS BOCAS DAS GRUTAS


Estas psicólogas e parapsicólogas nunca estiveram à boca de qualquer gruta - seca ou inundada. Mesmo assim,  puseram-se  em bicos de pés, sem vergonha nenhuma  e com a maior desfaçatez deste mundo - dias a fio a opinar sobre o resgate dos rapazes aprisionados na gruta tailandesa. Fiquei a saber que os portugas são experts em resgates, nos estúdios das TVs.
Essa gente deu bitaites como se alguma vez tivesse feito algum resgate, com excepção de um mergulhador profissional português que, com muita propriedade e sem nunca especular, falou sobre o resgate que ele próprio fez, na Guiné, a um sobrevivente de um navio que se afundou, ficando no  seu interior durante 72 horas, graças a uma bolha de ar em que permaneceu durante esse tempo. Segundo ele, a operação demorou quatro horas (há um vídeo desse resgate a circular no YouTube).
Os outros indivíduos falaram sem vergonha do evento que estava a decorrer, como se os operacionais envolvidos nessa operação fossem todos uma cambada de incompetentes.
Descansado fiquei, ao saber que, se houver uma situação idêntica em Portugal ou em qualquer outra parte do mundo, envia-se para lá a Judite de Sousa e todo o pessoal comentadeiro da CMTV, mais uns quantos paspalhões e paspalhonas para fazerem o resgate.
Que eu saiba, nenhum caso similar em gruta inundada aconteceu em Portugal - muito menos numa gruta com aquela extensão e com aqueles sifoēs.
A quantidade de licenciados em grutas, a dar palpites, foi impressionante. Falaram sobre o assunto, completamente às cegas, sem terem informação do centro de comando e sem conhecerem a situação.
Houve um artista com ar de seboso, que afirmou na SIC Noticias que o início do resgate poderia ter sido feito mais cedo.
Um outro anormal opinou que teria sido possível retirar as crianças de uma só vez, umas a seguir às outras, em vez de efectuarem a extracção em três fases, como está a ser feito. Outro artista vomitou  severamente contra as autoridades tailandesas, por terem enviado para a gruta um mergulhador sem experiência, que acabou por morrer – a realidade diz tratar-se de um militar de 38 anos, primeiro sargento salvo erro, fuzileiro naval e mergulhador de combate com 19 anos de experiência.
Depois disto tudo, dei comigo a pensar: - Por onde andava essa gente, quando há trinta anos desapareceu um jovem nas grutas da Serra da Arrábida que, até hoje, dele nada se sabe?
O desfile dos psicólogos foi vergonhoso. Quantas pessoas resgatadas das grutas portuguesas tiveram apoio psicológico dessa gente?
Se este país não conseguiu resgatar o Pedro Dias à superfície, nem conseguiu resgatar a  Maddie McCann, imagine-se a trabalheira que seria resgatar duma gruta a equipa de doze miúdos e o seu treinador, que seguramente teve um papel preponderante, sobretudo no estado de espírito da equipa em situação tão adversa.
Seria giro ver a Judite no deserto do Saara  à procura do escaravelho  e a CMTV, de lupa, à procura de sangue.
Com ânsia de brilhar, a locutora disse:
“ Infelizmente não aconteceu o pior”

Adérito Barbosa in olhosemlente

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Espantalho

Especado no silêncio do nabeiro
vagabundo e chorão no meio de nada
cheio de medo das palmas
de ninguém.

Às vezes só consegue escutar o ruído do mundo ao longe
noutras esquece-se
de escrever na areia fina
o silêncio que arrepia o deserto nos dias de tempestade
e a resposta não sei
tem pressa em viver hoje,
amanhã devagar e morrer só depois do luto e da festa
sonha soprar o vento.
de leste para oeste
de sul para norte
de nordeste para sudoeste
de noroeste para sudeste
da Noruega para a Suécia, dali para acolá
de mim para ti
de ti para eles
deles para outros
do mar para a serra
do chão para o ar
das batatas para as papaias
do açúcar para o sal
da água para as rochas
do nada para todo o lado…
para todo o lado…
tudo numa perfeita e harmónica confusão do caos.
Para que ninguém entenda nada!

E ri-se, o maroto do espantalho…
Quer viver o amainar da brisa no meio da regueira das couves e do escaravelho
e ainda rebolar na samarra, na anca da mondadeira.
Quer ver o pescoço sufocado da gola alta,
o fumo sair de um tubo de escape do brinquedo abandonado.
Quer ouvir o choro de uma boneca sem braços,
de cabelos arrancados sem piedade pela criança que brinca na soleira da porta.
Quer ouvir o apito desalvorado do comboio em marcha atrás
sentir o silêncio húmido e frio das estrelas apagadas
ver o vulcão moribundo
a fumegar dentro do cachimbo...
Quer de tudo um pouco para fazer da sua vida um circo.

Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Herói rasca

Herói  rasca

Noite passada fui ao Bar Danau no Baleal tomar café, e alegrar a vista.
Foi um fiasco total. Produto de beleza para a minha idade, zero. Era tudo canalhada, entenda-se rapaziada nova que passam o dia a surfar ondas e à noite tomam umas pilecas ou surfam nos copos.
No Bar Danau aos domingos há música ao vivo. Ontem actuou lá uma banda composta por 4 irmãos: três tocavam e o quarto membro, mais velho, era tipo engenheiro de som, daqueles que fica de copo na mão no meio da sala a ouvir e a dar indicação aos irmãos. Fiquei com a ideia que o tipo anda à boleia dos manos para beber uns copos à borla.
Os rapazes tocavam bem e o som estava bem calibrado, ambiente simpático, mas músicas de constituir família anglo-saxonicas e country não são ondas para o meu ouvido surfar. Eu surfo na crista das ondas do rock progressivo.
Não havendo nada para lavar a  vista, arranjei a companhia de um whiskey e de um café - pago ao balcão 6,70€.
Na debanda do balcão em direção à mesa, levei por arrastão o jornal CM - apesar de não ser consumidor.
Passei por cima das facadas, mortes, roubo, sangue, cadáveres, e da miséria humana dos classificados, eis que na penúltima página encontro uma coisa em forma de notícia que também não era notícia - um texto muito bem escrito sobre o forrobodó montado em lisboa à volta de um sujeito que por acaso já morreu de seu nome Zé Pedro dos Xutos.
Pela primeira vez na vida li um texto no CM com o qual me identifiquei. O texto rezava indignadamente uma missa sobre a histeria dos  Vereadores, do Presidente da CML, do Presidente da República, do 1.º ministro, deputados da nação, gente finória  e carneiros - estavam lá todos, aos saltos e aos pinotes no palco do Rock in Rio, exigindo a Deus  um lugar ao sol para alma do Zé Pedro e quem sabe cogitando a transladação das ossadas dele para o Panteão Nacional, cantarolando em uníssono a Minha Casinha.
Toda a gente conhece a música a Minha Casinha dos Xutos e Pontapés, mas o que muito pouca gente sabe é que essa canção não é um original do Xutos e Pontapés, mas sim letra da autoria de Silva Tavares, e música de António Melo. Música esta que ficou conhecida ao ser cantada por Milú no filme Costa do Castelo.
Zé Pedro, certamente era um gajo porreiraço, fumou ganzas, chutou charros que se fartou, bebeu shots  até mais não, intravenou com material pesado nas veias, snifou, curtiu a vida e morreu.
O país lambisgoio não pára de o glorificar.
Heróis: são os militares mortos na 1.ª guerra mundial, nas três guerras de África e Bósnia.
Heróis são os militares da GNR mortos ou feridos em serviço, são os agentes da PSP baleados em serviço, os Bombeiros que dão a vida pelos outros, o cidadão anónimo que arrisca e sacrifica a sua vida em prol dos outros.
Zé Pedro que me perdoe, ele não é herói merda nenhuma!

Lletra original da Minha casinha.

Que saudades eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta como eu
Como é bom meu Deus morar
Assim num primeiro andar
A contar vindo do céu
O meu quarto lembra um ninho
E o seu tecto é tão baixinho
Que eu ao ir p’ra me deitar
Abro a porta em tom discreto
Digo sempre senhor tecto
Por favor deixe-me entrar
Tudo podem ter os nobres
Ou os ricos de algum dia
Mas quase sempre o lar dos pobres …
Tem mais alegria
De manhã salto da cama
E ao som dos pregões de Alfama
Trato de me levantar
Porque o Sol meu namorado
Rompe as frestas do telhado
E a sorrir vem me acordar
Corro então toda ladina
Minha casa pequenina
Bem dizendo o solo cristão
Deitar cedo e cedo erguer
Dá saúde e faz crescer
Diz o povo e tem razão
Tudo podem ter os nobres
Ou os ricos de algum dia
Mas quase sempre o lar dos pobres
Tem mais alegria

Adérito Barbosa in olhosemlente

Publicação em destaque

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"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinter...