Ramon, apelido de guerra, com o nome de Joaquim, foi outrora um abnegado soldado de élite português, combatente e operador de rádio nas tropas páraquedistas. Conviveu de perto com o cheiro da pólvora, explosões, poeiras, mortes e sentiu nas mãos a temperatura do sangue de um camarada. Ramon conhece a angústia das emboscadas e o alívio de um trilho livre e desminado; sentiu a dor daqueles que tombaram e que antes de fechar os olhos, num último suspiro, ainda tiveram tempo para pedir um gole de água, sorrir e adormecer para sempre, porque é assim que morre um Paraquedista, nobre!...
Soube ontem a triste notícia de que o Ramon meteu os papéis para a reforma da escrita; não quer escrever mais, cansou-se, ficou farto dos hipócritas amigos do facebook, ficou farto dos falsos amigos e até ficou farto dos verdadeiros amigos. Ficou farto de mim próprio quando, em privado, lhe pedia para aprimorar a sua escrita e para tratar bem as palavras da língua de Camões. Ramon fartou-se de toda a gente e foi-se abaixo.
Preocupado, contactei-o, dizendo-lhe: - "Ó Ramon, estou triste contigo. Convives mal com a crítica, rapaz! Eu não sou hipócrita. As minhas críticas serviam apenas para melhorares a tua escrita. Como os entendidos acham que estás bem assim, olha, paciência..."
Passado pouco tempo recebo a resposta do Ramon.
"Como estás enganado, companheiro. Apenas optei por escrever como eu sou, sem qualificações. Acredita que, se o texto for muito corrigido e elaborado, deixo de o sentir como meu. Em relação a eu querer ter mimos, é mais ou menos isso. Fico incomodado como os heróis de sempre colocam uma foto, ou fazem um comentário e vêm logo uns milhares de fãs comentar. Foi por isso que escrevi a opinião anterior. Abç."
Li, reli e voltei a ler. O Ramon não sabe que um texto bem escrito é sempre melhor, porque quem nos lê gosta também de ler histórias bem escritas, independentemente do interesse que a história gera. O texto deixa de nos pertencer no momento em que o publicamos. Ramon não entendeu nada! Não entendeu que na escrita é como em tudo na vida. Um gajo com estatuto de importante, é importante em qualquer lado; mesmo sendo ignorante e fútil, mantém o estatuto de importante. Ainda que essa importância não seja importância de coisa nenhuma, é sempre importante. Ramon não entendeu também que precisa de escrever muito, que precisa de saber dispensar os elogios dos iliterácios, dos burros, saber destrinçar os apoios e os vivas dos oportunistas, das críticas daqueles que sempre lhe quiseram bem, porque ele conhece os que outrora o prejudicaram e que agora passam pelo seu mural, deixando lá palavrinhas mansas.
Ramon, não adormeças, precisas de saber que podes ser um bom escritor, ou mesmo um bom contador de histórias. Ainda não sabes que na vida de escritor o caminho tem altos e baixos, mais baixos do que altos? Há momentos de desânimo, quando pressentimos que pouca gente nos lê, ou mesmo quando nos faltam ideias ou forças.
Ramon não sabe que a maioria dos Portugueses não lê nem sequer um artigo de jornal, quanto mais perderem tempo com a escrita dele ou com a minha; sente-se revoltado por ver qualquer fotografia da treta, sem nexo, postada por um imbecil qualquer, merecer milhões de elogios dos nossos camaradas.
Ramon, vai descansar, depois voltas! Volta como um guerrilheiro, volta com as histórias reais de quem viveu a guerra por dentro, debaixo da farda de um páraquedista. Volta e conta-nos as histórias das noites boémias de Luanda, das amantes e dos orgasmos precoces, das secas que deste e das que levaste, dos teus medos, das tuas derrotas e vitórias. Ramon, vais voltar e contar, direitinho, as tuas experiências que todos nós, que gostamos de ti, vamos continuar a ler-te.
Depois disso, então põe os papéis para a reforma e vai descansar com os poetas pescando carpas, rezando para que o Toni Rebelo pesque apenas petingas. Como dizia alguém - "Se escreveres sobre pesca aí vamos ter que dar um desconto no tamanho dos peixes".
Adérito Barbosa in olhosemlente
Sem comentários:
Enviar um comentário