Manuela Brazão Barbosa nasceu a 23 de dezembro de 1973 em Pedra Badejo, concelho de Santa Cruz, na Ilha de Santiago. O rigor e pormenorização das suas pinturas fazem dela uma pintora de excelência. Já expôs em vários países da Europa e África e nos Estados Unidos da América. Os trabalhos plásticos da artista são uma homenagem à criação dentro de um espaço-tempo de paixão e razão. O sedutor jogo de cor e luz das suas obras transportam-nos para uma infinidade de pensamentos e reflexões. A espontaneidade, a energia e a vibração que transmite, vai para além do entendimento do quotidiano que nos rodeia. Os quadros de Nela Barbosa são dádivas da vida à nossa vida!
O amor, a paixão e a entrega com que cria as suas obras, fazem de Nela Barbosa uma das maiores referências cabo-verdianas das artes plásticas. Pintora autodidata, Nela Barbosa sente-se realizada com as obras que cria, pois são o reflexo da sua alma, a sua forma de expressão e a demonstração do profundo amor que tem pela vida.
Como surgem as ideias para as suas obras?
Quando preciso de falar, pinto! Pinto o sentimento e os sonhos. Muitas vezes são os sentimentos dos outros. Ponho na tela o que vejo e o que sinto que os outros sentem. Sinto o amor dos que me rodeiam; procuro soluções para os seus problemas e isso acaba por se refletir na minha obra.
Como se inicia o processo criativo dos seus quadros?
Por vezes do nada, às vezes de um sonho, uma pequena briga ou desentendimento. Há momentos tristes da nossa vida difíceis de expressar ou fazer os outros entender, por isso recorro tão frequentemente às minhas telas. Nelas, eu consigo falar e dizer tudo!
Depois há a inspiração. Pode ser um objeto, uma fotografia ou um sonho. Nem sempre é programado. Há momentos em que pego numa tela branca e não consigo criar absolutamente nada.
Que temas pinta mais?
Mulheres. Não sei explicar porquê, talvez por ser mãe, por ser mulher, por ter uma mãe que me adora e por ver que o feminino pode ser e fazer muita coisa. É com alguma mágoa que vejo poucas mulheres nas artes plásticas, mais concretamente na pintura. Há ainda uma certa timidez e até um estigma entre o homem pintor e mulher pintora. Para mim, é o que de mais puro, saudável e maravilhoso pode existir ao nível da expressão artística.
O tempo que leva a criar as suas obras é importante?
É importante no sentido que não gosto de perder tempo e porque tenho que estar sempre ocupada. Mas quando pinto, não conto o tempo! O quadro pode acabar hoje, pode acabar daqui a um mês, pode nem nunca acabar. Depende da inspiração que o quadro me transmite e do grau de envolvimento emocional que ele me proporciona.
Quando está embrenhada na criação dos seus quadros, no que costuma pensar?
Eu viajo no quadro, mas não exatamente através do tema que lá está. Dentro do quadro há um cenário que imagino. Por exemplo, imagino um pôr-do-sol e viajo nessa ternura e nesse amor. Os meus quadros têm muito do meu sentimento e muito da minha maneira de ser e de ver o que me rodeia. Não sou artista comercial porque me dói vender os meus quadros. Quando os vendo, sinto que não há forma de recuperar o que eles me proporcionaram.
A dicotomia do bem contra o mal aparece algumas vezes retratada nas suas pinturas. Isto acontece propositadamente?
Talvez subconscientemente. Já pintei um quadro cujo tema era a forma como os humanos são vistos pelos anjos, portanto aí já digo tudo. Gosto de deixar a interpretação livre… não gosto de explicar tudo. Dou sempre espaço à liberdade de interpretação das pessoas.
Grande parte dos artistas orienta as suas energias para a criação. Alguns até se abstraem da vida quotidiana e, por vezes, auto marginalizam-se. Quando está a pintar também se abstrai do mundo exterior?
O meu atelier passa a ser o centro do meu mundo. Por vezes, têm mesmo que me chamar à realidade, pois frequentemente há muito que já passou da hora de me ir embora. Fico completamente absorvida no trabalho. Entro no quadro, permaneço lá e não me interessa mais nada, apenas pintar.
Seria capaz de se autorretratar numa obra?
Já o fiz, só que me pintei de costas. Foi a minha primeira obra, em 2004, foi o meu batismo como pintora. Sempre que faço uma exposição fora do país, este meu primeiro quadro acompanha-me e viaja comigo. Pintei a Nela a olhar para o quadro… e o espelho que reflete a minha imagem. Este é um dos muitos quadros que não estão à venda!
Tem mais quadros dos quais jamais se separaria?
Por exemplo, o “cachecol”. Também não o vendo. Ele surgiu num ambiente de guerra e acabou por se tornar num antídoto para a raiva. Quando olho para ele sinto paz. Ele permite-me transformar a guerra em paz! É por isso que, muitas vezes digo que a forma mais simples de me exprimir é através da pintura e não propriamente pelo que estou a pensar ou a querer dizer. É algo que me transcende e que me é natural.
Da sua obra fazem igualmente parte inúmeras paisagens. O que a motiva nesta temática?
Gosto de pintar o que me envolve e as paisagens são em tudo envolventes. Quando as pinto, não só as preservo na minha memória como as congelo para a eternidade. Há pessoas que consideram superficial retratar paisagens alegando que estas são intocáveis. O meu gosto pelas paisagens não se fica pela beleza do natural, mas sim por aquilo que o homem alterou ou modificou naquela paisagem. É como que retratar a saudade de um tempo que jamais será repetido.
Para além dos muitos países onde já expôs as suas obras, há algum lugar que gostasse particularmente de expor e ainda não teve oportunidade?
Não tenho nenhuma preferência de países ou de locais para expor. O que eu realmente quero é pintar. Entretanto, se aparecer oportunidade de expor e mostrar aos outros o meu trabalho e o meu país, tanto melhor. Expor internacionalmente permite-me, através das minhas obras, mostrar Cabo Verde ao mundo e isso agrada-me.
Onde será a sua próxima exposição?
Em junho, se tudo der certo, irei fazer uma exposição em Macau. É uma ambição antiga que vejo agora concretizada.
Que novos projetos está a preparar?
Desta vez estou a preparar algo fora da pintura mas, como não podia deixar de ser, totalmente ligado a ela. Irei publicar os meus poemas. É um projeto de homenagem aos meus quadros. A cada um deles dedico um poema. Sou pintora e não poetisa, por isso, esta é mais uma homenagem à pintura. Como sou completamente apaixonada pelo que faço, resolvi demonstra-lo por palavras.
Quais os seus desejos para o futuro?
Continuar a pintar e deixar os meus quadros espalhados pelo mundo. Apesar de sentir um aperto quando penso que eles estão longe de mim, sei que estão bem entregues e que estão a cumprir o objetivo de tornar alguém feliz. A ideia de saber que um pouco de Cabo Verde, da nossa cultura e nas nossas gentes também viajou junto com eles é reconfortante. O cabo-verdiano é sofredor, gosta de trabalhar, gosta de tudo o que é difícil para no fim, orgulhosamente, poder dizer: isto fui eu que fiz!
Manuela Brazão Barbosa
Adérito Barbosa
in olhosemlente