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sábado, 22 de março de 2025

O Silêncio cúmplice



O país está como está porque temos medo de falar medo de opinar, medo do desconforto que vem com a discordância. Temos medo das represálias, já não vivemos num regime onde uma palavra nos pode tramar, mas há outro medo, mais rasteiro: o de sermos olhados de lado pelos amigos, no café, no Facebook, e passarmos por chatos quando trazemos política para a conversa.  

Deixamos essa coisa da política para os políticos, e eles, espertos, tomaram conta do assunto. Fizeram-nos acreditar que política é um bicho perigoso, que só traz chatices. E, enquanto isso, foram levando a Europa para a guerra, vendendo a narrativa de que os russos são os maus, os palestinianos os bons e os israelitas os vilões. No meio do barulho, os militares, que antigamente se mantinham discretos, descobriram a reforma dourada dos debates políticos. Agora as televisões parecem um sanatório de generais. Só que eles não estão sozinhos. Os jornalistas também ajudam. Criam um facto, noticiam esse facto, lançam o alerta, debatem o facto, comentam o facto, recomendam o facto – e no fim fizeram de nós estúpidos.  

Sempre ouvi dizer, desde pequeno, que há três coisas que não se discutem: futebol, religião e política. Mas o futebol discute-se todos os dias, com paixão e sabedoria. Fala-se dos penáltis mal marcados, dos treinadores incompetentes, dos jogadores do SLB que não valem nada mas são vendidos a preço de ouro. A religião, essa, já ninguém quer saber – as igrejas só servem para sacar dinheiro aos crentes a troco de milagres que nunca chegam.  

Mas a política? Essa está de quarentena. É um tabu.  

Eu já fiz esse teste várias vezes: já escrevi sobre o governo, sobre a justiça, sobre os esquemas de sempre. Nada. Um deserto. Ninguém gosta, ninguém comenta. Mas o sistema de análises do blogue não mente: as pessoas passam por lá às centenas, às vezes aos milhares, espreitam, leem e saem de mansinho, como quem não quer ser visto num lugar suspeito ou em má companhia. Como se um simples ato de se manifestar fosse um risco.  

E isso dá um jeito danado a quem manda. Enquanto tivermos medo de falar, eles podem fazer o que quiserem. Podem mentir-nos na cara, que ninguém os desmente. Podem encher os bolsos à nossa custa, que ninguém protesta. Podem vender o país aos bocados, que ninguém quer saber.  

Talvez seja esse o maior truque da política portuguesa: fizeram-nos acreditar que a política é feia, suja, inútil. Que só os fanáticos e os interesseiros falam dela. O cidadão comum, esse deve manter-se calado, discreto, neutro – como se a neutralidade fosse uma virtude e não uma rendição.  Eles são os intocáveis. 

Do José Sócrates todos falam porque o tipo já está no chão. - Um dia, num parque de estacionamento na Ericeira, garantiu-me pessoalmente que é vítima de uma cabala.

E do Manuel Pinho? E do Costa que passou de bandido português a chefe da Europa. E do Luís Montenegro, que chegou a primeiro-ministro sem que ninguém desse grande conta, a não ser os amigos do costume, que o aplaudem porque o jogo do poder tem sempre os mesmos jogadores. Não foi eleito, não teve votos que lhe permitissem governar, mas lá esteve, sentado na cadeira de chefe. A gerir o país sem grande entusiasmo, sem sobressaltos, a exibir o seu ar de sobranceria e vaidade, enquanto recebia mensalmente uns trocos de uma casa de apostas.  

E do Restelo, as velhas gritam: "O procurador-geral da República é da cor dele, e não há razões para abrir inquérito e mencionar o nome do Luís!" 

Falar das gémeas que vieram de fora para um tratamento de milhões pago pelo Estado? Nem pensar. Enquanto isso, eu próprio estou há quase um ano à espera que o HFAR me chame para uma colonoscopia e uma endoscopia. No privado já me tratei medicado, curado e despachado. Do HFAR, ainda nada. Mas, para as gémeas, o estado tratou do assunto com uma eficiência que nenhum português sabia que existia. Quem ousou questionar o privilégio foi logo chamado de insensível e xenófobo.  

Tal como lembrar as grávidas do Bloco de Esquerda, e das causas dos gays. Afinal há por lá lésbicas. Assim faz sentido tanta luta.

E depois há as barragens da EDP, essas maravilhas de engenharia que deviam render milhões ao país. Foram entregues de bandeja, sem pagar um cêntimo de imposto. Venderam-se concessões, fizeram-se negócios obscuros no fim, a conta foi parar às mãos da malta consumidora. Os mesmos do costume que, todos os meses, recebe faturas de eletricidade cheias de taxas, contribuições e ajustes tarifários que ninguém entende.  

E os tribunais? Ah, os tribunais. Onde devíamos confiar, mas onde só se joga a política do costume. Eu assisti a uma entrevista do Juiz Carlos Alexandre, famoso e titulado de "super", por combinar com os procuradores qual será o próximo alvo, e disse que o que ganha não chega, por isso faz muitas horas extras a caçar. O juiz fez justiça espetáculo, com a ventoinha da CMTV na máxima velocidade a espalhar esterco e as suas sucursais – TVI, SIC , CNN e Now – a seguirem-lhe o rasto

No meio disto tudo, os verdadeiros culpados escapam sempre. Há sempre um erro processual, uma doença, uma prescrição, uma morte, uma testemunha que se engana, uma perícia que desaparece. E o sistema segue como sempre foi: com os poderosos a rirem-se da nossa impotência e o povo a pagar sem reclamar porque o pessoal tem medo.

E o que faz o Zé? O Zé está calado. Porque falar de política é feio e dá trabalho. Porque nos ensinaram que é perigoso, que é melhor não meter o nariz onde não somos chamados.  

O Zé só sabe pagar impostos sem perguntar onde vão parar. O Zé espera meses por uma consulta no hospital, enquanto vê os amigos do sistema passarem à frente. O Zé vota de vez em quando, mas sem grande esperança, porque já percebeu que muda o nome, muda a cara, mas o esquema é sempre o mesmo e ventoinha continua no máximo, a espalhar esterco contra os nossos olhos.


E assim seguimos limpando os olhos, a pagar, a ver e a calar. Como bons portugueses.


Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

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