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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Tino de Rans

 Já estás a imaginar-te Presidente da República Portuguesa, não? Eu já!
Já estás a imaginar-te naquele carrão preto, com um assessor fardado de luvas pretas na mão? Não? Eu já!
Já te imaginaste numa daquelas presidências abertas junto dos calceteiros, dando exemplo, de joelhos no chão, a assentar uns paralelepípedos na cama do areão dos passeios e nas calçadas portuguesas e depois fazer festinhas com o martelo e no finalzinho amassar-lhes o juízo com um maço? Já imaginaste o que seria de Rans, Tino? Eu já!
Já imaginaste a noite da eleição do Vitorino Francisco da Rocha e Silva, mais conhecido por Tino de Rans? Rans não dormiria, a igreja ficaria aberta para os menos crentes encontrarem a fé e a Junta de Freguesia em alvoroço, numa sessão plenária extraordinária, à procura de um cognome para ti. A Ana Malhoa a animar o bailarico no Largo do Cruzeiro, o tio Celestino com a adega aberta, coisa que nunca fizera em 97 anos, e a fogueira, Tino? Uma daquelas fogueiras que chegaria ao céu! Serias um orgulho para as gentes de Rans, Tino, podes crer! - Vejam só, Tino, um filho da terra, agora é rei em Belém, Senhor na Europa e famoso no mundo. Serias doutor honoris causa de todas as universidades, membro da Opus Dei, bem como membro de várias organizações internacionais. Serias confrade de um montão de confrarias das comezainas e das bebedeiras por esse mundo fora! Até terias direito a umas ações do BPN, BANIF, BES, e do BPP., Bancos Maus e Bons
Pois é, Tino! Tu que nasceste no meio dos cabrestos e te criaste no meio dos calceteiros és um homem do povo, tu és povo, mas vais ver que o povo é o primeiro a renegar-te e a dar-te com os pés, como Pedro fez a Jesus, quando o galo cantou pela terceira vez. Ele, o povo, vai achar que não és conhecido lá fora, que não tens experiência política, que não és professor, que não sabes falar inglês nem francês, que lá para as bandas do Largo do Rato até te acharam cómico e por isso te descartaram. Enfim, que não tens influência nem na banca, nem junto do poder económico.
Ó Tino, o povo vai preferir aqueles que não são do povo. Vai preferir os professores, os doutores, sobretudo aqueles que manipularam a opinião pública anos a fio na TV, vai preferir o pessoal dos partidos e o pessoal do sistema - apesar de eu achar que és do sistema, do sistema do povo. Entendes? É esse povo quem vai votar em massa; os que brincaram com a Barbie e com o Ken votam na Barbie com saudade da infância; os intelectuais querem ver Nóvoa a sair da névoa, tipo D. Sebastião, que foi mandar vir com os mouros, esquecendo-se que os mouros é que conheciam o deserto. Os comunistas e os católicos descontentes, juntos e de mãos dadas, votam no padre foragido da igreja. Os assinantes da Porto Canal votam sem hesitar no candidato do Júlio Magalhães, o tal que é professor, empresário e comentador, o tal de Braga, sabes? Sim, esse mesmo! A esse até acho graça, vi-o em cima da cadeira à porta do TC, achei giro.                                                                                                                                                          
Os leitores da revista Playboy, esses, são fiéis aos seus princípios e não vão  abrir mão de uma boa nudez. Vão depositar o voto, pela certa, na Marisa, na esperança de um dia a ver nua na Playboy…
Os polícias, os magistrados, os carcereiros, os investigadores e juízes da CMTV, os anti-ladrões vão todos a correr atrás do Morais - ele só agora descobriu a corrupção; quando andou nos corredores do poder, no PSD e na Câmara do Porto nunca viu nada.
Os ladrões, esses não vão votar; é melhor não contar com eles; esses passam o tempo a magicar qual vai ser o próximo banco a cair em desgraça e qual é a melhor parceria ou privatização para eles “botarem” as mãos em cima.
E tu Tino, para ti não auguro nada de bom. Vais entender como é o povo. Lembra-te que foi o povo quem mandou prender e condenar à morte Jesus Cristo e deixou à solta o ladrão Barrabás. Pois é Tino, é esse o tal povo que está sempre a criticar os mesmos do costume e vai votar como sempre nos mesmos do costume. E quando as coisas correm mal, como sempre correm, ninguém votou no tipo que está no poder.
Agora só cá para nós, ó Tino:
 - Achei original mesmo, curti bué aquela cena super baril, ver-te com a cesta de vime no ombro, cheia de assinaturas, à porta do TC. Até pensei que andavas nas vindimasTino, conta com o meu voto!

Aderito Barbosa in olhosemlente

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Para além do desejo





Para além do desejo

Eu queria que cantasses para mim,

Que fizesses um mundo só para nós,
Que pusesses minha estátua no jardim,
Iluminasses a direito o meu olhar.
Eu queria contigo ir à lua dançar,
Ficar com o pouco de nada que resta
Saborear a vontade do amor que quiseste.
Respirar o odor que adormece
Eu queria mais... se pudesses...
Me deitasses nas ondas a flutuar,
Me beijasses sem pressa na margem.
Eu queria sentir-te fresca, brisa nua,

Eu queria...
Cambalear nevado de amor agarrado a ti.
Dar-te quem sabe para além do teu desejo
Adérito Barbosa in olhosemlente

sábado, 19 de dezembro de 2015

All Along the Watchtower


"Deve haver algum jeito de sair daqui ", disse o coringa ao ladrão
"Há muita confusão ", eu não consigo nenhuma ajuda
Empresários, eles bebem meu vinho, escavam minhas terras plowmen
Nenhum deles ao longo da linha sabe que valeu a pena.



" Não há razão para ficar animado ", o ladrão gentilmente falou
" Existem muitos aqui entre nós que sentem que a vida émais uma piada
Mas tu e eu, nós já passamos por isso, e isso não é o nosso destino
Então, não vamos falar falsamente agora, já é tarde ".


All Along the Watchtower, príncipes mantiveram a vista
Enquanto todas as mulheres iam e vinham, servos descalços também.
Fora na distância um gato selvagem rosnou
Dois motoqueiros estavam-se a aproximar, e o vento começou a uivar.

Bob Dylan  in olhosemlente

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

DEPOIS CONTO COMO FOI – Parte II



Atendendo a que os seguintes factos ocorreram tal e qual como os descrevo, quero salientar que não ficcionei nada. 

- Bom dia, minha Senhora! Sou DFA. Telefonei para estes serviços, para marcar uma consulta de neurocirurgia e disseram-me que teria que vir cá pessoalmente, para falar com o chefe dos serviços, a fim de ele avaliar a minha situação clínica e mediante isso determinar se tenho prioridade no atendimento, ou se vou para a lista de espera; porém, acontece que eu só quero que ele produza um relatório para eu juntar a um requerimento que vou fazer ao CEMFA.
A senhora ouviu tudo direitinho e, muito cortês, disse:
- Sim senhor, esse assunto não é comigo, é com o meu colega que vem já. Espere um bocadinho, por favor!
Passados dez minutos, apareceu um rapaz negro, simpático, praça do Exército com uns dezanove anitos, não mais; cabelo à escovinha, quase careca dos lados, mas no cimo da cabeça um tufo de carapinha, mais parecia um ninho de cuco, um verdadeiro dread, a quem só faltavam mesmo uns brincos na orelha, que vinha trincando uma maçã; parecia-me tudo surreal. Voltei a explicar, tintim por tintim, o assunto e pediu-me para aguardar um pouco, porque o chefe dos serviços de neurocirurgia estava atrasado; sentei-me na sala de espera, sala essa super pequenina, cheia de gente, sendo a maioria senhoras na casa dos 60, qual centro de saúde da minha freguesia. Com ar descuidado e amigas do peso, falavam alto umas com as outras, indiciando que já se conheciam - parecia que estava numa feira. Pus-me a imaginar e a comparar o que era o HFA com o que é, atualmente, o HFARMADAS.
Passada cerca de meia hora, o homem do ninho de cuco, já sem a maçã na mão,  chamou-me. O médico vinha juntamente com ele e assim que me viu levantar, perguntou-me bem alto, com ar de enjoado:
- O que é que o Senhor pretende?
- Disseram-me que eu teria de vir cá falar consigo, por causa da  produção de um relatório de que necessito, para reabrir o meu processo de averiguações por acidente em serviço, de acordo com este relatório médico que trago do Hospital da Luz.
- Eu não vou atendê-lo, porque não o conheço, você não é meu paciente!
- Ó Sr. Dr. o assunto é este assim, assim…E lá tentei explicar o meu caso. A meio da explicação, ele interrompeu-me e disse novamente, com ar intimidatório:
- Já lhe disse que o Sr. não é meu paciente, não o conheço de lado nenhum, não vou produzir relatório nenhum.
Esta conversa toda deu-se na sala de espera, espaço  que antes parecia uma feira e virou santuário, só devido ao tom de voz do médico.
- Doutor, não se preocupe, vou colocar o problema ao Director do Hospital! - Disse eu, em alta voz também.
- Faça o que quiser! - Contrapôs o médico.
Tal como disse, assim fiz; fui à Direcção do Hospital, local que conheço muito bem, desde os tempos em que trabalhei na secção de justiça na BETP; eram tantos os páras com pernas partidas, que rara era a semana em que eu não ia ao hospital tratar de assuntos relacionados com os doentes páraquedistas.
Como ia dizendo, subi à Direcção. A secretária ainda é a mesma senhora; outrora uma jovem que despertava sensações bruscas em mim e na rapaziada toda, mas que os anos se encarregaram de envelhecer sem piedade. Sem a frescura de outros tempos, conserva ainda a beleza entre as rugas que teimam em lhe marcar a face  e o cabelo grisalho disfarçado com tinta.
- Olá, bom dia, como está? - Reconheceu-me logo, trocámos palavras de circunstância e disparei:                                                      
- Preciso de falar com o Director do Hospital.
- Qual é o assunto?
- Quero apresentar uma queixa contra o chefe de serviços de neurocirurgia, mas pretendo falar pessoalmente com ele – expliquei.
- Pode sentar-se - disse ela.
Sentei-me  na poltrona da recepção. Durante o tempo em que estive à espera, passei os olhos pelas revistas da especialidade de medicina e pela revista Mais Alto; entre outras revistas destacavam-se, por exemplo, algumas do exército,  mas não me aguçaram a curiosidade.
Passados vinte minutos, sensivelmente, recebi a notícia de que o Sr. Director não estava.
- E o Sr. Director Clínico está? - Perguntei.
- Vou ver! - Disse a senhora e, dali a pouco, outra notícia:
- O Sr. Dr. está em reunião.
- Eu espero - disse eu. Como nunca mais acabava a reunião, disse à secretária:
- Já que não me atendem, vou ao Estado Maior da Força Aérea apresentar uma queixa ao CEMFA, contra o chefe dos serviços de neurocirurgia.
- Espere mais dois minutos, que a reunião deve estar a terminar.
Nisto, apareceu um médico TC do exército, assessor da Direcção, que é o responsável pelos assuntos dos DFA.  O Médico TC foi de uma cortesia extrema. Tomou conta do meu caso e tratou ele mesmo de toda a papelada necessária para os serviços de neurocirurgia produzirem o meu relatório.
No fim agradeci a gentileza e a amabilidade e disse-lhe:
- Sr. Dr. agora preciso de ir falar com o Sr. Director do Hospital, ou com com o Sr. Director Clínico; pode levar-me a um deles?
O simpático TC médico quis demover-me das minhas intenções, mas não abdiquei de ser recebido pelo Director Clínico do Hospital. Apresentei a queixa e manifestei o meu desagrado pela forma pouco cortês, pouco profissional e pouco humana como o chefe  dos serviços de Neurocirurgia me havia tratado.
O Director Clínico pediu desculpas pelo mau dia que o chefe de neurocirurgia eventualmente estaria a passar, pois era uma pessoa extraordinária, gentil e humana, blá-blá-blá  e disse-me que já se tinha inteirado do contencioso com o tal chefe de Neurocirurgia; houve um mal entendido e o médico julgava que eu era civil, blábláblá. No final, concluímos que já nos conhecíamos desde a década de 80.
Dez dias depois regressei ao Hospital e dirigi-me, desta vez, ao gabinete dos serviços dos relatórios médicos. Surpresa! Os documentos que preenchi na Direcção, com a ajuda do Assessor no 1° andar, em dez dias, desceram apenas vinte lanços de escadas e estavam a chocar tranquilamente na gaveta da secretária de uma militar da Marinha, à espera que também ela acabasse de comer uma maçã e sem qualquer preocupação de arranjar tempo para enviar, com protocolo, os documentos para os serviços de Neurocirurgia.
Sabem quem é que vai fazer o relatório?
- O tal médico que não me conhece de lado nenhum!
Depois conto o resto.

Bom Natal e boas festas para todos os meus amigos
Adérito Barbosa in olhosemlente

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Ao ritmo da taquicardia de cada um


Nunca escrevo para mim, nem para os meus amigos; escrevo para aqueles que quiserem ter a paciência de me ler. Escrevo para atingir os meus leitores, para soltar angústias ou, eventualmente, despertar nos outros sentimentos adormecidos. Escrevo também para os anónimos leitores do meu blogue, para todos os quadrantes da sociedade, indiferenciadamente, e para aqueles com quem, num puro exercício de ilusão, me quero afundar e subir à tona depois de um estúpido sonho e assim enfrentar com tranquilidade a dura realidade que a vida nos oferece.
Porque é que as pessoas se interessam pelos temas que escrevo, se nada tenho para lhes mostrar de novo? - Ah, já sei, querem que eu as convide a dar largas à imaginação e a dar seguimento à história, deixando a imaginação de cada um à solta. 
Escrevo para toda a gente, escrevo para a sociedade em geral, sobretudo para os mais jovens, mas para ninguém em particular. Se alguém me ler, será por sua conta e risco; não quero que tenham em conta as razões que me levam a escrever, mas quero que não corram, necessariamente, nenhum risco, que não corram, especialmente, o risco de se embrutecerem. Eu sonho escrever bem, sonho ser capaz de um dia crescer dentro do “rolling” de uma esferográfica, dormir com o tempo e acordar com tudo escrito, sem nunca esquecer as pessoas, nem nunca sentir medo de escrever palavras tais como gosto de ti, amo-te, senti saudades tuas, sinto a tua falta, pena estares doente, vou-te fazer uma visita, quero ir ao cinema contigo, ou, simplesmente, vem à minha casa esta tarde, ou quero que saibas que sou teu amigo. 
Escrevo na esperança de aprender a escrever melhor. No fundo, quero desabrochar-me, sacudir os sentimentos para fora de mim, entregá-los aos leitores e deixá-los ler ao ritmo da sua taquicardia. 
Às vezes sinto medo que algum pedaço de mim vá com a minha escrita. Não quero ir com os meus escritos, quero ficar e esquecê-los, quero abandoná-los para sempre e partir para outro lugar alienado de mim.

Adérito Barbosa in olhosemlente

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Ramon deixa o clube dos escritores

Ramon, apelido de guerra, com o nome de Joaquim, foi outrora um abnegado soldado de élite português, combatente e operador de rádio nas tropas páraquedistas. Conviveu de perto com o cheiro da pólvora, explosões, poeiras, mortes e sentiu nas mãos a temperatura do sangue de um camarada. Ramon conhece a angústia das emboscadas e o alívio de um trilho livre e desminado; sentiu a dor daqueles que tombaram e que antes de fechar os olhos, num último suspiro, ainda tiveram tempo para pedir um gole de água, sorrir e adormecer para sempre, porque é assim que morre um Paraquedista, nobre!...

Soube ontem a triste notícia de que o Ramon meteu os papéis para a reforma da escrita; não quer escrever mais, cansou-se, ficou farto dos hipócritas amigos do facebook, ficou farto dos falsos amigos e até ficou farto dos verdadeiros amigos. Ficou farto de mim próprio quando, em privado, lhe pedia para aprimorar a sua escrita e para tratar bem as palavras da língua de Camões. Ramon fartou-se de toda a gente e foi-se abaixo.

Preocupado, contactei-o, dizendo-lhe: - "Ó Ramon, estou triste contigo. Convives mal com a crítica, rapaz! Eu não sou hipócrita. As minhas críticas serviam apenas para melhorares a tua escrita. Como os entendidos acham que estás bem assim, olha, paciência..."

Passado pouco tempo recebo a resposta do Ramon.

"Como estás enganado, companheiro. Apenas optei por escrever como eu sou, sem qualificações. Acredita que, se o texto for muito corrigido e elaborado, deixo de o sentir como meu. Em relação a eu querer ter mimos, é mais ou menos isso. Fico incomodado como os heróis de sempre colocam uma foto, ou fazem um comentário e vêm logo uns milhares de fãs comentar. Foi por isso que escrevi a opinião anterior. Abç."

Li, reli e voltei a ler. O Ramon não sabe que um texto bem escrito é sempre melhor, porque quem nos lê gosta também de ler histórias bem escritas, independentemente do interesse que a história gera. O texto deixa de nos pertencer no momento em que o publicamos. Ramon não entendeu nada! Não entendeu que na escrita é como em tudo na vida. Um gajo com estatuto de importante, é importante em qualquer lado; mesmo sendo ignorante e fútil, mantém o estatuto de importante. Ainda que essa importância não seja importância de coisa nenhuma, é sempre importante. Ramon não entendeu também que precisa de escrever muito, que precisa de saber dispensar os elogios dos iliterácios, dos burros, saber destrinçar os apoios e os vivas dos oportunistas, das críticas daqueles que sempre lhe quiseram bem, porque ele conhece os que outrora o prejudicaram e que agora passam pelo seu mural, deixando lá palavrinhas mansas. 
Ramon, não adormeças, precisas de saber que podes ser um bom escritor, ou mesmo um bom contador de histórias. Ainda não sabes que na vida de escritor o caminho tem altos e baixos, mais baixos do que altos? Há momentos de desânimo, quando pressentimos que pouca gente nos lê, ou mesmo quando nos faltam ideias ou forças.

Ramon não sabe que a maioria dos Portugueses não lê nem sequer um artigo de jornal, quanto mais perderem tempo com a escrita dele ou com a minha; sente-se revoltado por ver qualquer fotografia da treta, sem nexo, postada por um imbecil qualquer, merecer milhões de elogios dos nossos camaradas. 
Ramon, vai descansar, depois voltas! Volta como um guerrilheiro, volta com as histórias reais de quem viveu a guerra por dentro, debaixo da farda de um páraquedista. Volta e conta-nos as histórias das noites boémias de Luanda, das amantes e dos orgasmos precoces, das secas que deste e das que levaste, dos teus medos, das tuas derrotas e vitórias. Ramon, vais voltar e contar, direitinho, as tuas experiências que todos nós, que gostamos de ti, vamos continuar a ler-te. 

Depois disso, então põe os papéis para a reforma e vai descansar com os poetas pescando carpas, rezando para que o Toni Rebelo pesque apenas petingas. Como dizia alguém - "Se escreveres sobre pesca aí vamos ter que dar um desconto no tamanho dos peixes".

Adérito Barbosa in olhosemlente

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

FRENESIM



Tenho a percepção
Que Isto vai ser uma complicação,
Quando tocarmos os dois o mesmo diapasão
Não faremos objecção
Grande será a fornicação!
Para ti, Mirita Casimiro, estou em concessão
Sempre tive a obsessão
Mas não falei na Constituição.
Ao Senhor pedi redenção
E à polícia intervenção
Mas olha que vai haver retaliação
Disso ninguém fez menção.
Sobre mim caiu a suspeição
De qual era a minha religião.
Folha de rescisão na mão
Eu já sabia de antemão
Que na cabeça deles tinham essa concepção
Fizeram mitigação…
Nos colhões sinto comichão
Raio do chato fez intromissão
O médico passou a prescrição
O governante grita massificação,
Institucionalização do poder,
Moção conversa da oposição
Mansidão! diz o Ambrósio.
Ambrósio tem convicção
Que o povo sofre de obstipação, usurpação, abstenção
E impuseram sanção
Não querem saber da subversão
Todos sofrem da disfunção
Mas ninguém quer ser canastrão
O pai não é o padre, mas é o sacristão!
País em recessão
Tudo não passa da socialização
Alusão, insubordinação, obstinação
Coacção é coisa a que nos sujeitam
Inclusão de pobre na vida de rico
Ó rapaz, o que é isso de ser Cristão?
Não assino a petição
Tens muita persecução, és fodilhão
Mas não tens noção, não senhor!
O que eu quero é oração
Ponderação, abstracção
Segregação de raças
Crítica e depreciação
Qual é, óh meu, onde está a rectidão?
Se morreu, temos consternação
Se casou, há emancipação
Sexo, algemas, chibata, submissão
Mas eu sou um pagão
Sem constipação
E o juiz leu o acórdão
Numa de repressão
Fanfarrão cagão!
Definição de uma proposição é afirmação
Da deterioração da compreensão
Mas quem não lhes tem aversão
Lei, legislação, promulgação
É tudo uma questão de parametrização;
Sem haver conclusão
Dão opinião
O que querem é projecção
Das raças que convivem sem discriminação
Inserção social, deflagração da bomba
Vamos mas é cumprir a missão!
Gosto do vinho, sou escansão.
Cheiro a ratos? Já p´ra desinfestação
Etelvina, põe-te na justaposição
Que vais fazer prova de aferição Porque eu já não sinto tesão
De viver
Neste frenesim…


Adérito Barbosa in olhosemlente

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Florbela Espanca, Correspondência (1916)




"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinteressada delas. Eu sou ao contrário: o tempo passa e a afeição vai crescendo, morrendo apenas quando a ingratidão e a maldade a fizerem morrer".

Florbela Espanca, Correspondência (1916)

in olhosemlente

Fernando Pessoa 80 anos depois da morte





"...tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele




"80 ANOS DA MORTE DE FERNANDO PESSOA

Fernando António Nogueira Pessoa, nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888. Faleceu em Lisboa em 30 de novembro de 1935.
Foi poeta, escritor, crítico e tradutor. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa.
Enquanto poeta, escreveu sobre múltiplas personalidades – heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Alberto Caeiro –, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra.

Sobre Fernando Pessoa

Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, como se fosse a primeira vez. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um camões muito maior que o antigo, mas, sendo uma pessoa conhecidamente discreta, que soía andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoas, fenómeno nunca visto antes em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais uma ilusão de óptica, das que sempre estão a acontecer sem que lhes prestemos atenção, ou que o último copo de aguardente lhe assentara mal no fígado e na cabeça, mas, à cautela, deu um passo atrás para confirmar se, como é voz corrente, os espelhos não se enganam quando mostram. Pelo menos este tinha-se enganado: havia um homem a olhar de dentro do espelho, e esse homem não era Fernando Pessoa. Era até um pouco mais baixo, tinha a cara a puxar para o moreno, toda ela rapada. Com um movimento inconsciente, Fernando levou a mão ao lábio superior, depois respirou fundo com infantil alívio, o bigode estava lá. Muita coisa se pode esperar de figuras que apareçam nos espelhos, menos que falem. E porque estes, Fernando e a imagem que não era a sua, não iriam ficar ali eternamente a olhar-se, Fernando Pessoa disse: “Chamo-me Ricardo Reis”. O outro sorriu, assentiu com a cabeça e desapareceu. Durante um momento, o espelho ficou vazio, nu, mas logo a seguir outra imagem surgiu, a de um homem magro, pálido, com aspecto de quem não vai ter muita vida para viver. A Fernando pareceu-lhe que este deveria ter sido o primeiro, porém não fez qualquer comentário, só disse: “Chamo-me Alberto Caeiro”. O outro não sorriu, acenou apenas, frouxamente, concordando, e foi-se embora. Fernando Pessoa deixou-se ficar à espera, sempre tinha ouvido dizer que não há duas sem três. A terceira figura tardou uns segundos, era um homem daqueles que exibem saúde para dar e vender, com o ar inconfundível de engenheiro diplomado em Inglaterra. Fernando disse: “Chamo-me Álvaro de Campos”, mas desta vez não esperou que a imagem desaparecesse do espelho, afastou-se ele, provavelmente tinha-se cansado de ter sido tantos em tão pouco tempo. Nessa noite, madrugada alta, Fernando Pessoa acordou a pensar se o tal Álvaro de Campos teria ficado no espelho. Levantou-se, e o que estava lá era a sua própria cara. Disse então: “Chamo-me Bernardo Soares”, e voltou para a cama. Foi depois destes nomes e alguns mais que Fernando achou que era hora de ser também ele ridículo e escreveu as cartas de amor mais ridículas do mundo. Quando já ia muito adiantado nos trabalhos de tradução e poesia, morreu. Os amigos diziam-lhe que tinha um grande futuro na sua frente, mas ele não deve ter acreditado, tanto assim que decidiu morrer injustamente na flor da idade, aos 47 anos, imagine-se. Um momento antes de acabar pediu que lhe dessem os óculos: “Dá-me os óculos” foram as suas últimas e formais palavras. Até hoje nunca ninguém se interessou por saber para que os queria ele, assim se vêm ignorando ou desprezando as últimas vontades dos moribundos, mas parece bastante plausível que a sua intenção fosse olhar-se num espelho para saber quem finalmente lá estava. Não lhe deu tempo a parca. Aliás, nem espelho havia no quarto. Este Fernando Pessoa nunca chegou a ter verdadeiramente a certeza de quem era, mas por causa dessa dúvida é que nós vamos conseguindo saber um pouco mais quem somos.

José Saramago, "Cadernos de Lanzarote" São Paulo: Companhia das Letras, 1997

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Publicação em destaque

Florbela Espanca, Correspondência (1916)

"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinter...