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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Metamorfose ambulante

Metamorfose ambulante

Quando jovem ainda senti uns laivos de interesse pela psicanálise. Não sei porquê, essa sensação evaporou-se-me da mente como gasolina ao ar.
Talvez Freud soubesse explicar esse meu interesse rápido e o desinteresse repentino pela psicanálise. Talvez por ter lido uma tese de uma inimiga dele, dizendo que ele era um demolidor de ídolos e que ele, Freud, esmagava as ideias dos outros até à exaustão. E acrescentou: "Nenhuma ideia pré-concebida lhe escapava". Agora que estou velho, voltou a despertar em mim, outra vez, o interesse pela psicanálise.
Comecei a chafurdar na vida de Freud , nome que, ao longo de toda a vida, ouvi a ser citado por psicanalistas e outros que, por qualquer motivo diziam a mesma frase: "Freud explica".
Fui tentar então saber quais as explicações de Freud.
O homem chamava-se Sigmund Schlomo Freud, nasceu na  Morávia em 1856 e foi fundador da Psicanálise. Na universidade começou por se interessar pela sexualidade das enguias e mais tarde, passou a estudar a "anatomia e a histologia do cérebro do homem." Nos estudos encontrou elementos comuns entre a organização cerebral humana e a dos répteis e então começou a questionar a supremacia do homem sobre os outros animais. Serviu-se da hipnose para aceder aos conteúdos mentais no tratamento dos seus pacientes com histeria. Quando  viu a melhoria dos pacientes, elaborou a hipótese de que a causa da doença era psicológica e não orgânica. Essa hipótese serviu como base para outros conceitos, como o do inconsciente. Ficou conhecido pelas teorias dos mecanismos de defesa, da repressão psicológica e por aí fora.
O psiquiatra Reinaldo José Lopes, outro inimigo de Freud, defende na sua tese que Freud, o pai da psicanálise, nunca explicou coisa nenhuma, apenas se limitou a interpretar.
Enquanto pesquiso a vida de Freud, e para complicar mais um bocadinho, surgiu do nada na minha “playlist” do You Tube a música do Raul Seixas, "Metamorfose ambulante",
interpretada pelo músico, também ele brasileiro, Zé Ramalho, onde, às tantas, num simulacro de entrevista ele diz:- O Freud explica!  Quando lhe perguntam: - Zé, o que é a metamorfose ambulante? O tamanho do pénis influencia no processo de criação da música? No corpo da letra da canção encontrei a resposta:
"se hoje sou estrela amanhã já se apagou, se hoje eu te odeio amanhã tenho-te amor, faço amor, eu sou um ator, eu vou desdizer aquilo tudo que eu disse antes, prefiro ser essa metamorfose ambulante"
Freud está para a psicanálise como António Sérgio e Fernando Pessoa estavam para Teixeira de Pascoaes.
Segundo Álvaro Giesta, investigador e ensaísta, quando o pai de Teixeira de Pascoaes, que era amigo de António Sergio, mostrou orgulhosamente os escritos do filho, adivinhando um futuro risonho para o jovem escritor com o apoio dos dois dinossauros, Sérgio pegou  nos escritos e num tom jocoso, fez um gesto para trás das costas, mas para a parte de baixo:
-Olha, limpa mas é o cu a isto!
Afinal Freud, para ser endeusado, infernizou a vida e as ideias dos outros cientistas, matando-os à nascença, sem que alguma vez tivesse demonstrado cientificamente seja o que fosse. O Teixeira de Pascoaes sentiu também essa atrocidade na pele. Nunca foi um escritor de topo, porque Sérgio e Pessoa encarregaram-se de o “diabolizar”, tal como hoje o moribundo diabolizou o governo, jornalistas e políticos, fazendo acreditar que os políticos que governam Portugal são passarinhos.
Será que Freud explica se Aníbal sofreu também alguma metamorfose?

Adérito Barbosa in olhosemlente

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Pista Vermelha

Um dia triste para todos nós paraquedistas.  Foi preciso ir parar ás mãos do exército para acontecer esta desgraça:
ardeu a pista vermelha.
O exército não descansou enquanto não tomou de assalto e à má fila a Base Escola das Tropas paraquedistas, a BA3 com a pista para a sonhada aviação ligeira  do exército, a BOTP-2 com outra pista para a sonhada aviação ligeira do exército. Formaram pilotos com o dinheiro dos contribuintes para nada, num puro exercício de vaidades e contrataram a Siderurgia Nacional para o fabrico de estrelas para a maternidade de generais. Dos paióis voaram as armas e os pilotaços do exército ficaram a jogar á batota no clube bebendo bejecas enquanto sonham com as avionetas que nunca chegaram.
 É caso para dizer: nas mãos deles nem a Pista Vermelha se safou.
Viva o exército português!

Adérito Barbosa in olhosemlente

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Da juventude para a velhice

Martinho Lutero, disse há 500 anos: "Quem não for belo aos vinte anos, forte aos trinta, esperto aos quarenta e rico aos cinquenta, não pode esperar ser tudo isso depois."
Eu sinto que estou a passar a fronteira da juventude para a velhice. Deve ser por isso, que começo a reconhecer as minhas loucuras. Sou tudo aquilo que diz Lutero. Não fui belo aos vinte anos, nem forte aos trinta, nem esperto aos quarenta e muito menos rico aos cinquenta e oito. Já não espero ser tudo isso depois.
"Aniversário" de Fernando Pessoa, dito por mim.

Adérito Barbosa in olhosemlente

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Quem me dera


Quem me dera livrar-me
da tortura que há muito
atola a mente.
Quem me dera saber
o brilho do teu sorriso
e não ter a certeza que tenho do doce sabor dos teus lábios que nunca senti.
Quem me dera perder
esta angústia
de nunca te ter visto nua,
de não ter a certeza que tenho dessa tua nudez,
dos teus seios que sei
libertar do cárcere,
dos decotes
e do sufoco do linho do soutien,
e pô-los a esvoaçar
no afago das minhas mãos.

Quem me dera tirar-te
o vestido de cetim
sem pressa
e descobrir os relevos que imagino saber de cor.
Quem me dera ouvir
os teus sonhos quando gemes de prazer, nas noites loucas presa ao luar.

Quem me dera saber
fazer amor devagar
num tempo que vai e vem
sem pressa sentado
no baloiço quando a noite
ainda era criança.
Quem me dera ter à mão
um livro de poemas
aberto  no teu corpo,
possuí-lo com uma leitura
e vaguear pelas entranhas
até à humidade do coração, seiva quente e odor a sexo.
Quem me dera tatear
com os dedos no sonho
que nem tu nem eu entendemos.
Quem nos dera...

Adérito Barbosa in olhosemlente

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O resto é silêncio

O resto é silêncio
São seis horas da manhã, acordei cedo. Quero escrever qualquer coisa para não perder a destreza, mas não sei por onde começar. Está tudo parado, o céu está parado. Hoje nem vento, nem chuva, nem nuvens nem nada, tudo parado como se isto tudo fosse uma fotografia e eu personagem congelado nela, nem os pássaros andam por aqui, aqui não acontece nada, é um silêncio brutal, nem o cão do vizinho ladrou ainda, deve estar a dormir. Vejo que já não há ervas daninhas no quintal que danadas por estarem abandonadas decidiram crescer pelas juntas dos mosaicos à força toda e foram donas e rainhas deste quintal e do jardim por alguns anos. Agora não, agora renderam-se, catei-as uma a uma de joelhos no chão, cortei ramagem, arranquei troncos quando desconfiei que pudessem ser má vizinhança para os muros que, agora pintados de branco, orgulhosos, protegem a macieira que tem onze Maçãs Reinetas, já maiores das que vejo à venda no continente. A abacateira, que no ano passado forneceu abacates aos vizinhos da rua, e principalmente aos tipos da EDP que andaram a colocar iluminária de LED na rua, soube-o pela fofoqueira da rua: - Eles, os rapazes da EDP, com aquela coisa que sobe para poderem pôr as lâmpadas nos postes, subiram lá acima e apanharam o abacate todo, não deixaram nem uma.
Com medo que faça frio no inverno, e recomendado pela vizinha fui à loja do homem que vende recuperadores de calor: - Olhe, vá lá ao fulano tal, foi ele quem há tempos colocou o meu recuperador de calor. Lá fui eu então ver os preços e escolher o recuperador. Quando fui atendido pelo dono da loja, fiquei a saber que ele é dono de hérnias discais na cervical, tinha dores horríveis e sentia formigueiro nas mãos. Quando soube que eu era cliente assíduo dos neurocirurgiões e dos números das facadas que já levei, o homem ficou animado e por segundos pareceu-me que as dores dele se tinham ido embora. Mas não! O homem estava mesmo à rasca, porque voltou-se a queixar ainda com mais intensidade!
Com o fito em algum desconto disse-lhe: Olhe eu venho da parte da minha vizinha de seu nome Isaurinda, identifiquei o lugar e a rua.
- Já sei, já sei: é uma senhora que está numa cadeira de rodas, é aquela vivenda que tem uma abacateira? Bem… aquela abacateira… dá abacates do outro mundo e a mulher dele que estava presente no negócio sorriu, abriu os olhos quase que babava como quem diz: - É pá aqueles abacates eram mesmo bons!
Cá para mim, segundo a Isaurinda, só os gajos da EDP comeram os abacates. Mas este ano vou ficar de olho neles. O curioso é que a abacateira este ano não deu frutos na ramagem que dá para a rua, e só deu frutos nas ramagens do sector que está dentro quintal, porque será?
Uma palmeira que andava já pelas profundezas dos alicerces com os ramos quase a chegar ao céu, com ideias de fazer estragos no canteiro da rampa da garagem e do jardim também foi à vida, essa foi teimosa que se fartou. Chamei uma máquina e zás. A máquina pegou-lhe pelos cabelos e já foste. Pena foi que alguns mosaicos levantaram-se também eles e quiseram ir com ela. Mas aqui nem tudo é sossego, tem sido duro, ainda falta pintar o exterior da casa o que não se afigura ser Pera doce.

Adérito Barbosa in olhosemlente

Publicação em destaque

Florbela Espanca, Correspondência (1916)

"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinter...