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quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Não faço juízos de valor

Não faço juízos de valor. Só quero que te ajudem!

Neste momento estás presa
na cadeia de Tires, indiciada pela prática de homicídio qualificado, na sua forma tentada - frase pomposa judicial, que ouço sempre que há problema entre uma pessoa e a poderosa justiça portuguesa.
Não sou médico, nem psiquiatra, não sou jornalista nem jurista; sou apenas um cidadão contribuinte que observa à sua maneira as coisas que se movem à sua volta e, apesar da minha enorme ignorância, sou capaz de repudiar o teu gesto de colocar um recém-nascido no caixote do lixo, sendo igualmente capaz de repudiar a pena de prisão a que submeteram uma jovem parturiente, indefesa, de 22 anos, com o nome de Sara, imigrante ilegal, com o estatuto medonho de sem-abrigo, frágil quer pela situação sócio-económica, quer pela  psicológica.
Quero defender-te com razão ou sem razão, reprovando a  tua intenção de abandonar, ou de deixar para trás o teu filho.
Sara, soube que esse recém-nascido  que abandonaste num contentor de lixo safou-se!
Esta é uma boa noticia para ti e para todos nós, uma vez que ele está bem, na Maternidade Alfredo da Costa e vai ser entregue a uma família de acolhimento. Vai crescer,  um dia vai ser homem e tenho a certeza de que nunca irá saber que um dia foi notícia, porque a família de acolhimento irá fazer o possível para que ele cresça no maior conforto, ignorando o facto e estude nas melhores escolas portuguesas.
Aquilo com que não concordo, Sara, é que a tacanha justiça portuguesa tenha puxado do seu espadachim, de venda para baixo com um olho bem aberto para te ver melhor e pumba... mais uma machadada em cima da tua cabeça, que, naquele momento, duvido que existisse ou que tivesses alguma cabeça que o olho justiceiro viu.
A justiça portuguesa é bafienta e neste caso, atendendo à tua situação e porque não houve morte, teria mil maneiras de te ajudar.
Podiam ter-te levado para um lar, para uma casa de  abrigo ou para a Santa Casa da Misericórdia  e aí devias ser ajudada por médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros técnicos da área da saúde.
Quero perguntar ao governo português onde param os 28 milhões de euros prometidos para acabar com a miséria nas ruas de Lisboa.
Sara, a vida é cruel e foi mesmo muito cruel contigo.  Logo a começar pela tua família que se recusou a ajudar-te e a aceitar-te no seio familiar em Portugal. Sei que vieste ainda adolescente, em busca dum sonho e acabaste por viver um pesadelo. És vítima da sociedade aristocrática tacanha de Cabo Verde, que não te preparou nem a ti nem a nenhum dos seus jovens.
Quiseram a independência do país de uma forma arrogante, para se autopromoverem pessoalmente e nada mais do que isso. Por isso contesto os que intervieram nesse processo (da independência), pois não conseguem ter recursos próprios para  educar os seus jovens, nem conseguem sobreviver sem Portugal ou sem a ajuda doutros países amigos. Basta ver a quantidade de assassinatos que ultimamente têm ocorrido em Cabo Verde.
Sara, sonhaste que Lisboa era a terra prometida. É terra que promete, mas não dá nada a ninguém, que exigiu de ti e dos teus 22 anos toda a responsabilidade do mundo. Gostaria muito que te tirassem da prisão, que te ajudassem psicológica e clinicamente. Gostaria de saber que te deram  autorização de residência, que te arranjaram um trabalho.
Quero  que te ajudem a crescer e a compreender melhor que Lisboa promete muito, mas só dá a alguns.
Sara, vais  amadurecer e só assim é que poderás encontrar o caminho da paz e da serenidade para atenuares a tua revolta e ser alguém digno e capaz de se reconciliar com o seu pecado.
Sei que te faltou o aconchego familiar, o apoio institucional - sendo uma ilegal em Portugal, não tinhas muito onde recorrer.
 Sem documentos, sem trabalho, sem uma casa onde morar e estar grávida deve ter sido super lixado.
Foi nesta situação de extrema vulnerabilidade e de profundo desespero que deste à luz o teu bebé. Foi mesmo ali  na rua, à luz do dia e perto do contentor de lixo, onde depositaste o teu filho. Compreendo o teu desespero, a tua solidão e a inocência de uma jovem como tu.
Sara, apesar de entender o teu desespero, não aprovo o teu acto e acho-o reprovável. Porém, é também reprovável e repugnante ver o machado da justiça sobre a tua cabeça e a festa das TVs.
Qualquer pessoa de bom senso sabe que neste momento não tens cabeça para nada, muito menos depois de aberta a sangue frio pela espada da justiça cega e apressada contra ti, numa situação tão sensível e vulnerável.
Não precisas de estar presa. Precisas que as autoridades portuguesas te ajudem, levando-te da prisão para uma casa de abrigo, onde possas, com a ajuda de técnicos especializados, ultrapassar este drama.
Ficarei contente se o Habeas Corpus  que os advogados interpuseram no Supremo Tribunal de Justiça tiver acolhimento favorável junto dos juízes do Supremo.
Assim continuarei a ter orgulho de ser Português, de ter trajado farda militar, de prestar continência à nossa bandeira e de estar disponível para morrer pelo país como jurei.
Não me candidato para ficar com a criança, porque devido à minha idade a lei não o permite.
Quanto a ti, se não for encontrado nenhum canto para ti, eu dou-te abrigo.
Presa numa cadeia parece-me uma barbaridade!

Adérito Barbosa in olhosemlente
Foto INEM

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