Na véspera do dia da unidade chovia a cântaros; os nossos militares que tinham ido em missão para o estrangeiro, deixaram as viaturas na parada.
Numa das rondas, apanhei os gajos da CCOM a jogar à batota num dos quartos e disse-lhes:
⁃ Meus Senhores, como castigo, agora vão buscar os reboques e levam todas as viaturas lá para cima, porque amanhã não pode haver carro nenhum em frente ao comando! Cuidado, não quero amolgadelas em carro nenhum. A ideia era vê-los molhados que nem pintos. Minutos depois, quando dei conta, estava tudo feito e os gajos nada encharcados. Os tipos abriram os carros não sei com quê, puseram-nos a trabalhar não sei como e levaram-nos todos dali. Não foi preciso reboque nenhum. Fui verificar, estavam todos trancados e ilesos.
Tínhamos lá um gajo de seu nome Surfista. Um dia foi preciso reparar uma extensão telefónica; ele prontificou-se para a arranjar - passadas duas horas já não havia telefone na unidade, - o surfista tinha arrancado a guipagem toda de um cabo de 200 pares. Para voltar a pôr os telefones a funcionar na BOTP1, foi preciso chamar a PT.
O meu pelouro era tomar conta das antenas que estavam espalhadas pelas serras do País; a maior parte do tempo estava fora e por isso me chamavam “ o Chico da montanha”. As tempestades nas altas montanhas destruíam as antenas com a maior das facilidades e, se a isso associarmos os rádios repetidores TRC425 que não prestavam para nada, tinha sarna para coçar que nunca mais acabava.
Quando estava na base nem era preciso olhar para as ordens de serviço, estava sempre de serviço!
Curioso as plantas das camaratas da CCOM estarem sempre murchas, ao contrário das plantas da camarata da Anti-carro; aquilo fazia-me uma confusão dos diabos… Descobrimos que o pessoal regava os vasos com o resto da água com que limpavam o chão, cheia de detergente e lixívia!
Mais tarde apareceu um vidro partido e uma vez que ninguém se acusou, toda a companhia pagou o vidro; ficámos com muito dinheiro no cofre da companhia. Chegados ao Natal, pensou-se então num jantar de Natal à larga, o que se veio a revelar o jantar da minha desgraça.
Escolhemos o “Páteo” de Carnide. Restaurante finório, com direito a fadistas e tudo. O objectivo era gastar o dinheiro todo, dar uma lição aos comunicadores e incutir neles o espírito natalício da família militar.
Reunida a soldadagem, acertámos os critérios para a vestimenta - fato e gravata - e realçámos a necessidade de bom comportamento; arranjámos uma TP21 para aqueles que moravam longe e ficavam na Base (a maioria foi engravatar-se para casa) e lá fomos então para o restaurante.
Coube-me a difícil tarefa de tomar conta da soldadagem; chegaram todos engalanados - eu próprio quase nem os reconhecia, tal era a fineza! Todos de fato e gravatinha fininha, alguns com cabelo espetado para cima, outros com o fato a chegar-lhes aos joelhos; era fácil adivinhar que foram emprestados pelo pai, tio ou avô ou se calhar por algum vizinho.
No jardim do restaurante havia todo o tipo de queijos, gin tónico, whisky, vinho branco, salgados, morcela assada, chouriço, carnes frias, tudo o que se pode imaginar. Empregados sempre a circular por entre a malta com o tabuleiro de bebidas e salgadinhos.
Toda a rapaziada de copo na mão, mãos nos bolsos, armados em doutores.
Entrados para a sala de jantar, foi servida a sopa de peixe e o primeiro prato, bacalhau com broa; autorizado o serviço do segundo prato, cabrito assado, o chefe de sala veio ter comigo, dizendo que a rapaziada não comera quase nada.
No fim da refeição começou o fado; apagadas as luzes e velas acesas, silêncio na sala!
Nem a meio o fado ia, para meu espanto, já a sala estava vazia - só graduados e convidados das outras companhias. Julguei os os tipos estavam no jardim.
Uma chamada telefónica informa que um grupo de paraquedistas provocou um tumulto com “travestis” na Avenida da Liberdade e que houve pancadaria da grossa…
No outro dia às 10 da manhã lá estava eu no Tribunal de Polícia para receber da PJ os homens e levá-los ao Juiz.
Enquanto assinava o documento de entrega, vi que a nossa rapaziada estava nervosa com os polícias e começaram com as tretas que foram os travestis que se meteram com eles e que a polícia fez isto e fez aquilo com eles, diabo a sete, que lhes rasgou o casaco e sei lá mais o quê!!!
Quando íamos a subir a escadaria, estavam duas mulheres vestidas de amarelo sentadas de pernas cruzadas.
⁃ Aquelas gajas têm umas trancas do caraças! disse eu.
⁃ Você está maluco ou quê? São paneleiros, estão vestidos de mulher e foi aquele que me deu com a mala… disse um, todo irritado.
Quando passei por eles com a malta toda atrás, chamei-lhes paneleiros, maricas, sem vergonha...
Veio o oficial de justiça, chamou os travestis pelo nome deles e disse:
- Como são muitos militares, o Sr. Dr. Juiz só quer falar com o graduado responsável!
Entrei eu e os paneleirotes. O juiz começou por ouvir primeiro a paneleiragem e eis senão quando os gajos que se idenficavam como sendo mulheres desataram a fazer queixa de mim. Que eu era isto mais aquilo, que eu era um brutamontes, que quando cheguei ao hall do tribunal minutos antes lhes havia chamado todos os nomes.
- Imagine o Sr Dr. juiz o que nós passámos com aqueles que estão lá fora e agora veio este senhor com ofensas e ameaças!
O juiz passou-me um raspanete e deu-me um papel para o comando da unidade agir disciplinarmente sobre a rapaziada.
Escusado será dizer que houve benficada para todos os gostos.
Nunca a escala de serviço da CCOM teve tantos voluntários!
Nunca mais se fizeram jantares, mas também nunca mais houve vidros partidos e as plantas tornaram-se viçosas como nunca. Ficaram um mimo!
E os pára-quedistas não conseguiram acabar com a paneleiragem Lisboeta.
Adérito Barbosa in olhosemlente
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