Para enfrentar a pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 a Medicina apenas dispunha de medidas genéricas – assepsia, isolamento e barreiras físicas. Perante isto, foi posto em marcha um ambicioso programa tendente à procura de antídotos para a combater. Nesta missão empenharam-se inúmeras instituições, com destaque para a indústria farmacêutica.
A investigação científica foi direccionada em dois sentidos: descoberta de medicamentos eficazes para combater o vírus e/ou vacinas para prevenir a doença. Era expectável que aquele objectivo fosse alcançado primeiro, pois a obtenção de vacinas é um processo moroso.
Aconteceu exactamente o oposto: obtiveram-se vacinas rapidamente e os medicamentos curativos tardam a chegar. Acreditei sempre que até ao fim do ano de 2020 íamos ter este bem precioso, porque o investimento nesta cruzada foi enorme. Como se saltaram etapas na investigação podia recear-se que a qualidade não fosse a desejável ou que pudessem originar efeitos secundários de monta. Mas todas revelaram grande eficácia e baixa toxicidade.
Criou-se a ideia de que a infecção pelo coronavírus não conferiria uma imunidade humoral robusta e duradoura (não mais de 4 meses, dizia-se), sem haver dados consistentes que permitissem sustentar esta posição. Estudos credíveis revelaram uma realidade diferente: a maior parte dos infectados mantinha anticorpos ao fim dum ano e só uma baixa percentagem nunca os chegou a ter. Foi consensual a ideia de fazer um reforço da imunidade a todas estas pessoas, porque o estímulo artificial confere maior protecção.
No decurso do processo da vacinação, foi muito ventilada a possibilidade de surgirem mutantes, que pudessem levar à emergência de estirpes mais agressivas. As variantes terão ocorrido em larga escala, mas as cadeias de descendentes tendem a perder agressividade.
Em Portugal, os media fixaram-se muito nalgumas (Reino Unido, Índia e África do Sul), considerando-as mais contagiantes e susceptíveis de originarem doença graves, com mortalidade elevada. Fica a dúvida se esta vaga informativa não estaria a criar condições de inflacionar a administração de vacinas, para rentabilizar o negócio em curso.
Este argumento esgotou-se! Se o objectivo consistia em preparar o terreno para vendas excessivas, surgiu outro pretexto mais apelativo para o fazer: a vacinação conferia uma imunidade humoral pouco duradoura, sobretudo na população idosa, quando já havia estudos que demonstravam o contrário: mais de 90% dos vacinados têm níveis de anticorpos elevados, duradouros e os idosos respondem bastante bem ao estímulo vacinal.
Torna-se evidente que as Farmacêuticas tentam encontrar o mote para rentabilizar o investimento que fizeram. É o lado perverso deste processo, com a prioridade aos negócios a sobrepor-se à defesa da saúde pública. Seria de esperar que esta guerra se tornasse mais agressiva, quando aparecessem no mercado players a apresentar medicamentos curativos e profilácticos da Covid-19.
A OMS começou por desaconselhar a terceira dose de vacina. Mas, nos últimos dias começou a ceder um pouco, admitindo-a em pessoas imunocomprometidas.
Por cá, tivemos médicos com cargos institucionais a defender a terceira administração, sem apresentarem argumentos científicos válidos. Alguns têm ligações aos Laboratórios produtores de vacinas (o conflito de interesses foi acautelado?).
A comunicação social insiste em criar um ambiente propício ao consumismo, noticiando casos de reinfecções em vacinados, sem sublinharem que, nestas situações, a doença é menos grave; salientam ainda que as mortes acontecem em pessoas com idade superior a 80 anos, como se isso não fosse previsível.
Curiosamente, os utentes dos Lares, tão esquecidos na primeira vaga da pandemia, são agora instituídos como alvo prioritário para o reforço. É uma compensação tardia ou será porque estes idosos fragilizados não questionarão a medida? O povo diz que «quando a esmola é grande o pobre desconfia…».
O coordenador da Task Force manifestou-se contra o reforço vacinal. Coincidência ou não, o Organismo que tutelava foi extinto e o tão competente vice-almirante, louvado e elogiado por todos, saiu de cena pela porta das traseiras. Até parecia uma vingança do político incompetente e verborreico que substituiu.
Numa trapalhada política de baixo nível, Primeiro Ministro e Ministro da Defesa ficaram mal na fotografia. O Presidente da República terá acordado tarde e tentou suster os estragos.
Vale a pena ler a crónica de José António Saraiva no Nascer do Sol do último sábado: «Uma história mal contada». Segundo ele, Gouveia e Melo cessou as funções de coordenador da Task Force por se manifestar contra a administração da terceira dose de vacina. Porém, como não podia ser deixado à solta, correndo-se o risco de fazer revelações incómodas, davam-lhe o cargo de Chefe de Estado Maior da Armada, escorraçando o actual detentor do título, reconduzido há pouco.
Marques Mendes, um hábil frequentador dos bastidores políticos, referiu-se ao assunto na sua prédica de domingo: «a terceira dose de vacina é inevitável, porque há grandes pressões da Indústria Farmacêutica». Saberá muito mais sobre esta matéria, mas passou por ela como gato sobre brasas.
Não me custa admitir que venha a haver argumentos científicos para aconselhar reforços vacinais. Poderão ter de actualizar-se as existentes para enfrentar eventuais mutações do vírus, à semelhança do que se faz com o da gripe sazonal. Mas isto tem de ser ditado pela ciência e não por pressões ilegítimas.
Espera-se que o plano da vacinação, que tão bem correu até agora, não caia num pântano. Se isto acontecer damos argumentos aos negacionistas, que se remeteram ao silêncio perante a evidência científica, quem sabe se à espera de melhor oportunidade para ressurgirem.
Álvaro Carvalho, médico
Coordenador de estudos serológicos da OM
(12/10/2021)