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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Crónica X II - dedicado aos Vendilhões do Templo, Bombarral 28Fev25





Venderam-me uma ilusão. Disseram-me que vivia numa sociedade igualitária, onde a justiça era para todos, a política servia o bem comum e o jornalismo informava. Garantiram-me que os médicos cuidavam da saúde dos doentes, a polícia protegia os cidadãos, os professores ensinavam, os prados eram verdes e as galinhas esgravatavam a terra como sempre fizeram. Que os militares viviam nos quartéis.  

Agora, olho à minha volta e vejo uma farsa. A política tornou-se um teatro do absurdo, onde governar é um jogo de bastidores e influências, e não uma missão de serviço público. Ser competente é um defeito, ter experiência de vida é um obstáculo. Se trabalhei, se construí algo, se me envolvi na realidade, então sou suspeito. Só aqueles que nunca fizeram nada na vida têm currículo para mandar. Se tive um café onde servia uns copos a um grupo de jogadores de cartas, já não posso ser ministro do vinho. Se tive galinhas no quintal e vendi ovos ao vizinho, então não posso tutelar a pasta da Agricultura. Os governantes são escolhidos como se a experiência fosse um crime.  
E enquanto essa gente nos distrai com casos e casinhos, esquecem-se de falar dos advogados das grandes sociedades que se sentam no Parlamento a cozinhar leis ao gosto dos amigos. Esses, ninguém questiona.  
Quanto ao jornalismo, já não há. Há jornaleiros, fabricantes de factos e mercadores de polémicas — ou melhor, vendilhões do templo. Passam o tempo a construir narrativas, a inventar escândalos, a decidir quem será crucificado no dia seguinte. Não informam, moldam. Não investigam, insinuam. Não questionam, impõem. Criam factos, comentam os factos que criaram e vendem-nos como se fossem a verdade revelada. E assim se vive, num ciclo vicioso onde a notícia de ontem já não interessa, porque hoje há uma nova indignação artificial para vender. É a perpetuação do jornalixo.  
Por sua vez, os professores, que em princípio eram para ensinar, acabaram por criar uma superclasse: a dos diretores escolares, com presidente e tudo. Viraram gestores eternos de escolas e passam o tempo a fazer política.  

Na semana passada, congratularam-se com o Governo por ter despejado milhões em computadores para as escolas por causa das provas intermédias. Enquanto há países europeus a bani-los das salas de aula, cá celebra-se o dia do descarregamento dos computadores. Claro que ninguém se lembrou de arrancar a ardósia das paredes. Os quadros velhos continuam lá, ao lado dos quadros eletrónicos novinhos, como um símbolo perfeito da contradição em que vivemos: vendem-nos modernidade, mas mantêm o peso do passado. Com estas mordomias, qualquer dia os professores deixam de saber escrever. Dos alunos, nem vale a pena falar.  
E no meio disto tudo, lá aparece Filinto Lima, sempre pronto para discursar. No outro dia, na Antena 1, discutia-se um estudo liderado pelo professor David Justino sobre a escola e a educação. No meio do estudo, concluiu-se que há um número significativo de turmas com quinze alunos ou menos. Aquilo foi fogo no rabo do Filinto — o tipo apareceu indignado com o resultado do estudo, com aquela conversa paternalista em nome dos alunos, que sinceramente já me cansa. A certa altura, um professor humilde entrou em antena e disse o que toda a gente pensa: que os diretores, incluindo o Filinto, estão agarrados ao lugar, que não largam o osso, e que já não fazem falta. Os senhores diretores, figuras ultrapassadas e longe da realidade, querem é eternidade nos cargos, a preparar o futuro dos jovens. Um absurdo, disse ele.  
“Mas que futuro? Um futuro em que os professores passam mais tempo a preencher grelhas e relatórios do que a ensinar? Em que os diretores são figuras vitalícias e aparecem na televisão sempre que um aluno se constipa?”

E o país segue ao ritmo dos comentadeiros: os militares passaram a políticos, de tal forma que parecem galinholas com grafonolas na mão, a berrar de manhã à noite, armados em especialistas de assuntos que desconhecem. O gado ainda pasta, as galinhas ainda esgravatam, os rios ainda correm para o mar e o preço de uma garrafa de água já custa tanto como um litro de gasolina. Tudo aquilo que me venderam como certo está a ir pelo cano, e eu pergunto-me se não fui eu que sonhei demais.  
Imagino um país onde a política é um serviço e não um trampolim, onde os jornalistas voltam a ser jornalistas e não fabricantes de polémicas, onde os diretores escolares largam o osso e deixam de aparecer na televisão ao mínimo espirro. Um país onde pensar ainda é permitido, onde o mérito conta, onde a experiência de vida não é um defeito e onde ser rico não é pecado.  
Um país onde a democracia cumpra o que prometeu.  
E, já agora, um país onde alguém me consiga explicar a história da Solverde e do Primeiro-Ministro Montenegro.  

Adérito Barbosa in olhosrmlente.blogspot.com

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

A Bandeira do José



José Neves, eu sei quem ele é. Conheço-o desde criança. Andámos na mesma sala, aprendemos a cartilha juntos e, no entanto, quase 60 anos depois, eu já me estou a familiarizar com o esquecimento das coisas, e o José ainda não aprendeu nada.  Agora quer oficializar o crioulo. Um sonho inocente? Nem pensar. No fundo, ele já traçou o seu grande desígnio: acabar a carreira política em Santa Catarina, talvez como presidente da Junta de Freguesia do Cutelo – terra onde deveria ter aprendido o português.  Também não é por acaso que os grandes mentores da “causa crioula” fugiram para os Estados Unidos e, de lá, em forma de ganha-pão, berram de palestra em palestra, sarnam os ouvidos aos emigrantes sobre a necessidade de implementar a sua grande bandeira. O crioulo, esse grande oprimido, precisa de ser salvo das amarras dos próprios cabo-verdianos. Mas, curiosamente, ninguém os ouve a incentivar os emigrantes a dominar o inglês para melhor se integrarem na sociedade americana. Não, para eles, o importante é que a sua cruzada linguística crioula continue, nem que seja às custas do futuro de um país inteiro.  


Mas há um pequeno detalhe que o José e os seus catedráticos iluminados parecem ignorar: o crioulo não é mais do que português mal falado, precisamente porque foi mal entendido pelos escravos e depois reproduzido pior ainda. Se fosse essa língua maravilhosa que agora querem impingir, por que razão Portugal não a adotou? Já imaginaram? Portugal, depois de séculos de domínio colonial, resolvia adotar o crioulo como língua oficial porque, afinal, tinha mais sabor?  

A origem do crioulo está na Guiné, dizem. — ( Lá estão os comunistas a acertar o passo com a Guiné, sempre a Guiné no nosso caminho) — e, de facto, em termos linguísticos, existem crioulos em várias partes do mundo. Mas o que o José e companhia querem fazer não é preservar um património linguístico – é transformar o crioulo numa ferramenta de guetização intelectual. Uma língua oficial que, em vez de elevar, limita. Um dialeto que, em vez de abrir portas, fecha-as.  

Eles aprenderam mal, não entenderam e agora andam a dar palestras para garantir que os outros também não aprendam.  

Reafirmo, nada tenho contra o dialeto na rua. Mas tenho tudo contra o dialeto na escola.  

E já que vivemos na era da liberdade de expressão, onde eles podem dizer barbaridades e ser aplaudidos, eu também tenho o direito de dizer que o caminho que querem para Cabo Verde não é o melhor. Aliás, nem sequer é um caminho – é um beco sem saída.  

Se há algo que a História nos ensina, é que o conhecimento é poder. E o poder, meu caro José, não é o crioulo.  

Para ti, José, aprender, ao que parece, é um conceito demasiado complexo para quem fez da ignorância a sua bandeira.  


Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

O fascinante mundo da justiça





Crónica IX - dedicado ao mundo fascinante da justiça portuguesa 

Já fiquei sem carta duas vezes. Uma espécie de estágio intensivo na arte de lidar com burocracia.

A primeira vez foi um bonito mosaico de multas por excesso de velocidade, culminando numa verdadeira obra-prima em Elvas. Estava um calor infernal, eu com febre, e fui apanhado ao telefone. A viatura tinha sistema de chamadas mãos-livres, mas, num momento de ingenuidade, tirei o telefone do berço para ouvir melhor. Péssima ideia. Um militar da GNR, que descansava à sombra, viu a cena e decidiu que aquilo era um crime digno de sermão e castigo. Resultado? Tribunal de Portalegre, 370 euros de multa e um mês sem carta. O juiz, num tom paternalista finalizou. — Da próxima, já sabe.  

Bom, da próxima soube. Passaram uns anos e, num único mês, fui apanhado três vezes – alegadamente, a 70 km/h onde o limite era 50 km/h. Uma no Baptista Russo, outra no fim da CREL, junto ao Estádio Nacional, onde deveria andar a 70km/h circulava 100 e outra em Caneças igual à primeira. As multas eram graves e antigas, da era pré-histórica, mas não prescreveram.  

Recebi a típica carta das autoridades, com coimas que se multiplicaram com Juros, taxas, agravamentos. Coisa pouca: uns 490 euros, mais um mês sem carta. Lá fui eu à GNR da Calçada do Combro entregar a carta, como quem devolve um livro à biblioteca. Um mês depois, fui buscar. Agora expliquem-me: as minhas multas, que não chegam a meia dúzia de tostões para os padrões do crime financeiro nacional, nunca prescreveram. Mas os 200 milhões de multas aos bancos por eles terem combinado tramar os clientes, prescreveram.

Fico com a ideia que o Código da Estrada é mais sagrado do que o Código Penal. Afinal, 20 km/h acima do limite é infinitamente mais grave do que a multa aos bancos.

Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

As loucuras do Neves


A FARSA DO CRIOULO PARA OS FILHOS DOS POBRES. 

“A propósito da última entrevista dada pelo presidente de Cabo Verde no âmbito das comemorações dos 50 anos da independência. Neves pede a oficialização do Crioulo.”

Lá vem o José Maria Neves outra vez. Lá vem ele com sua retórica ascorosa, servida aos filhos dos pobres como se fosse um banquete de progresso. A realidade, contudo, é outra: trata-se de um projeto de embrutecimento, de perpetuação da ignorância, de manutenção de pobres subjugados sem horizontes.  Afinal, como poderia ele, que nunca conseguiu aprender de facto a falar português, desejar que o povo dominasse a língua? Se ele próprio não tem domínio da comunicação formal, parece-lhe conveniente que a população pobre permaneça na mesma condição. Um povo analfabeto é um povo fácil de manipular, não é Neves? Pois é!

Vejamos os factos:  

- Angola – 55 milhões de habitantes, país repleto de recursos naturais. Língua oficial: português  

- Moçambique – 33 milhões de habitantes. Língua oficial: português.  

- Brasil – 216 milhões de habitantes. Língua oficial: português.  

- Cabo Verde – um país paupérrimo, dependente de ajudas externas, com uma elite cheia de manias de grandeza, governado por um déspota que se arvora defensor do crioulo – mas apenas para os filhos dos pobres. -  Neves, não me parece que sejas mais esperto do que os brasileiros, angolanos ou moçambicanos. Saiba V. Exa, que entre os africanos em portugal, os angolanos são aqueles que têm melhores empregos e que estão melhor enquadrados na sociedade portuguesa. Eles falam português entende isso?

Eis a realidade: os filhos da elite estudam em Lisboa, onde recebem educação de qualidade em português. Quando adoecem, são tratados nos hospitais de Portugal ou da Europa. Fazem compras em Lisboa, Paris ou Nova Iorque. Já os filhos dos pobres ficam em Cabo Verde, aprendendo o crioulo, sem acesso a um sistema de saúde decente e sem perspectivas reais de ascensão social.  O presidente da República insiste em promover o crioulo como língua oficial do ensino público. Mas por quê? Seria esse um verdadeiro projeto de valorização da cultura nacional ou uma estratégia deliberada para condenar as camadas mais pobres ao atraso?  Parece-me óbvia a resposta.  

Ele é Déspota - Déspota é aquele que governa de forma completamente autoritária, sem ouvir o povo, sem respeitar princípios democráticos. Exerce o poder de maneira tirânica, impondo suas vontades à força, muitas vezes recorrendo a esquemas de repressão. O governante que deseja impor o crioulo como língua principal do ensino público age como um déspota: ignora o futuro do país e prioriza sua própria agenda política, custe o que custar.  

Exemplos não faltam. Um déspota cerca-se de capangas, que garantem que sua vontade seja cumprida – seja com perseguições políticas, seja com coerção. Em Cabo Verde, quem se opõe à narrativa do poder sente na pele as consequências dessa postura autoritária.  

Ele é um Analfabeto - O analfabeto funcional não é aquele que apenas não sabe ler e escrever. É aquele que, mesmo reconhecendo letras e números, não consegue compreender um texto, captar ideias ou interpretar um discurso de forma crítica. É aquele que, diante de um argumento sólido, perde-se nas palavras e responde com frases vazias.  Esse é o caso do presidente. Até hoje, não aprendeu a falar corretamente o português. Um iliterato, incapaz de construir uma linha de raciocínio coerente. Na prática, um ignorante.  Mas não se engane: essa ignorância não é apenas individual, é um projeto. Um presidente que não domina a língua oficial do seu país, dificilmente pode defender sua importância. E, assim, transfere para o povo a mesma limitação que carrega.  Resultado? Um país onde a educação retrocede, onde as novas gerações não têm acesso ao conhecimento global, onde a cultura se torna cada vez mais restrita e provinciana. 

Ele é um Nepotista - Nepotismo é a prática de favorecer parentes e pessoas próximas em nomeações e cargos públicos, sem levar em conta mérito ou competência. É uma infecção na administração pública, pois drena os recursos do Estado para sustentar amigos, e amantes.  E foi exatamente isso que o presidente fez. Não se trata apenas de incompetência administrativa, mas de um esquema montado para perpetuar o privilégio de poucos às custas de muitos.  Um líder que age assim não governa para o povo, governa para si mesmo e para sua rede de interesses. E, nesse jogo de favorecimentos, quem perde sempre é o pobre, sem saída, sem privilégios, e sem  acesso às oportunidades que deveriam ser garantidas a todos.  

Neves, sempre que o senhor presidente vier com sua retórica vazia de que o crioulo deve ser promovido no ensino público, estarei aqui para lhe fazer frente.  Os governantes sérios do mundo inteiro trabalham para oferecer o melhor para suas populações. Querem que seus povos tenham acesso à educação de qualidade, à ciência, à cultura, às oportunidades globais.  Mas o Neves age na contramão.  Ele quer o crioulo para os filhos dos pobres.  Quer um sistema educacional que limite suas perspectivas, que os prenda a uma realidade estreita, que os impeça de sonhar alto. Porque um povo instruído é um povo difícil de enganar. Um povo que domina a língua portuguesa pode estudar em qualquer universidade lusófona, pode concorrer a empregos qualificados, pode sair do ciclo da miséria.  Mas esse não é o objetivo do presidente .  Ele quer que o filho do rico estude em Lisboa, em português. Viaje, faça  compras no Colombo, no Vasco da Gama, talvez em Paris ou Nova Iorque. Receba atendimento médico em hospitais portugueses. O filho do pobre?  Estuda em crioulo. Sem educação de qualidade, sem acesso a bons empregos, sem capacidade de competir no mercado global. Sonha em fazer compras no mercado de Sucupira, enquanto os filhos da elite frequentam as melhores lojas do mundo.  Os filhos dos ricos conseguem emigrar e arranjar trabalho no estrangeiro. Os filhos dos pobres ficam em Cabo Verde, encantados com as promessas vazias do presidente.  E assim o ciclo da pobreza se perpetua.  Neves: - se eu fosse governante português para ti nem mais um almoço em Belém e para Cabo Verde nem mais um tostão dos contribuintes portugueses.

Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

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