Já fiquei sem carta duas vezes. Uma espécie de estágio intensivo na arte de lidar com burocracia.
A primeira vez foi um bonito mosaico de multas por excesso de velocidade, culminando numa verdadeira obra-prima em Elvas. Estava um calor infernal, eu com febre, e fui apanhado ao telefone. A viatura tinha sistema de chamadas mãos-livres, mas, num momento de ingenuidade, tirei o telefone do berço para ouvir melhor. Péssima ideia. Um militar da GNR, que descansava à sombra, viu a cena e decidiu que aquilo era um crime digno de sermão e castigo. Resultado? Tribunal de Portalegre, 370 euros de multa e um mês sem carta. O juiz, num tom paternalista finalizou. — Da próxima, já sabe.
Bom, da próxima soube. Passaram uns anos e, num único mês, fui apanhado três vezes – alegadamente, a 70 km/h onde o limite era 50 km/h. Uma no Baptista Russo, outra no fim da CREL, junto ao Estádio Nacional, onde deveria andar a 70km/h circulava 100 e outra em Caneças igual à primeira. As multas eram graves e antigas, da era pré-histórica, mas não prescreveram.
Recebi a típica carta das autoridades, com coimas que se multiplicaram com Juros, taxas, agravamentos. Coisa pouca: uns 490 euros, mais um mês sem carta. Lá fui eu à GNR da Calçada do Combro entregar a carta, como quem devolve um livro à biblioteca. Um mês depois, fui buscar. Agora expliquem-me: as minhas multas, que não chegam a meia dúzia de tostões para os padrões do crime financeiro nacional, nunca prescreveram. Mas os 200 milhões de multas aos bancos por eles terem combinado tramar os clientes, prescreveram.
Fico com a ideia que o Código da Estrada é mais sagrado do que o Código Penal. Afinal, 20 km/h acima do limite é infinitamente mais grave do que a multa aos bancos.
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com
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