A Europa passou anos a martelar o juízo ao povo sobre as virtudes do dinheiro de plástico: use o cartão, é mais prático; pague por aproximação, é moderno; evite o dinheiro vivo!
Com essa treta converseta — os bancos encheram-se de comissões e as autoridades fizeram o resto com as célebres buscas judiciais. Encontrar dinheiro vivo tornou-se um escândalo mediático. Bastava meia dúzia de notas no fundo de uma gaveta para o comentador de serviço Luís Rosa anunciar, em directo, o novo paradigma da corrupção doméstica. O dinheiro comigo honestamente ganho, passou a ser suspeito.
Eis senão quando as mentes gloriosas de Bruxelas, decidiram impor a norma da pureza financeira: proibido pagar em dinheiro acima de três mil euros.
A liberdade do cidadão passou a caber num envelope de tamanho médio. Tudo o que ultrapassasse esse limite era automaticamente pecado fiscal, heresia monetária, sintoma de desvio moral.
Mas o destino tem um sentido de humor do catano.
Deu-lhes agora para anunciar os efeitos dos apagões.
E o Banco de Portugal, num rasgo de lucidez, veio recomendar que as pessoas tivessem algum dinheiro em casa para acautelar eventuais interrupções de energia. É a ironia institucional no seu esplendor: depois de criminalizarem o dinheiro vivo, voltam a aconselhar o seu uso — mas com moderação, claro, não vá o povo entusiasmar-se.
E eis a pérola: setenta euros. Setenta euros.
Segundo a autoridade monetária, é o montante ideal para sobreviver três dias de apagão.
Três dias e setenta euros — uma matemática de cordel, só ao alcance de quem nunca entrou num supermercado.
Parece uma experiência social: cortar a luz, desligar os sistemas e ver quanto tempo o povo aguenta com o bolso regulamentado.
Depois de nos dizerem o que comer, o que fumar, o que pensar, o que dizer e como F@der, chegou o momento inevitável: dizem-nos quanto dinheiro podemos ter e quanto tempo ele deve durar.
No fundo, é o Estado a dar-nos a liberdade de escolher como gastar os nossos setenta euros — até ao apagão seguinte.
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

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