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domingo, 15 de setembro de 2013

A cisma do Sr. Joaquim


A cisma do Sr. Joaquim

Hoje acompanhei a minha sobrinha ao  Médico. Apesar de maior e vacinada lá fui eu, orgulhoso, acompanhá-la a um médico meu conhecido e amigo.

Apesar de reconhecer competência superior ao médico não gostei da rececionista. Era uma daquelas pessoas que nada tem de sobra no que diz respeito à inteligência. Na sala de espera estavam quatro senhoras e o Sr. Joaquim, marido de uma delas e proprietário de umas dores nas costas que eu nem dadas as queria.
O Sr. Joaquim  mal se conseguia pôr direito, tamanha era  a dor e evidente pelos   seus suspiros. Mesmo assim, meti conversa com ele. Foi dizendo que em Portugal muitos velhos com a idade  dele morrem todos os dias nos hospitais por falta de assistência médica. Perguntou-me o que eu achava daquilo e afirmou que era uma tristeza uma pessoa chegar àquela idade e ir morrer nas urgências. Ansioso, ficou à espera que eu dissesse que era verdade o que ele dizia.

- Olhe que não Sr. Joaquim, Portugal tem dos melhores serviços de saúde,  toda a gente tem acesso a assistência médica - dei- lhe o exemplo dos americanos que pretendem copiar o nosso sistema. O Sr. Joaquim não ficou convencido e  manteve-se na dele.
- Morrem muitos velhos como eu nas urgências – ia dizendo o Sr. Joaquim, enquanto a tosse  da rececionista me  irritava os ouvidos.
- Então para que idade é este jovem? – espicacei o Sr. Joaquim.
-  Muitos! -  respondeu ele todo inchado, armado em conhecedor do mundo. - Eu... tenho 84 anos e já não é brincadeira nenhuma. E você?
- Eu!? Que idade me dá?
- 37 anitos - disse ele todo pimpão.
- Brincalhão! Grande brincalhão que você me saiu.
Do outro lado da sala, a mulher do Joaquim que conversava com a vizinha do lado mas com um ouvido no burro e o outro no cigano, atenta à nossa conversa, aprontou:
- Você tem 35.

  As outras para não ficarem caladas gritaram “40, 43, 45”. O leilão estava a aquecer.   - Este rapaz já conta com 54 anos. – Retorqui, inchado como um sapo.  Foi um "broá" na sala. As velhas perguntaram-me qual era o segredo para estar assim tão bem parecido. Entretanto, apeteceu-me dizer que o segredo estava no sexo. Mas fiquei calado.  Para ser franco nem eu sei. Só sei que ninguém me dá a idade que tenho. Com esta conversa fui constatando que as dores do Sr. Joaquim evaporaram como gasolina. Eis que o chamaram para a consulta. Assim que se ouviu: “Sr Joaquim, pode entrar!” .as dores voltaram e lá foi ele e  sua gemedeira pelo corredor fora, qual ambulância, avisando o médico que ia chegar um caso bicudo.

Passados vinte minutos aproximadamente regressou, o Sr. Joaquim, sem os gemidos.
- Então Sr. Joaquim que lhe disse o médico?
- Mandou-me fazer “um TAC”.
-.Então e as dores já passaram? - com a mão,  fez assim-assim. Bem, pensei eu, fez-se  milagre no gabinete do médico!

Entretanto, a rececionista continuava com a tosse irritante, e tornara ainda  mais irritante, quando  tentava explicar como esta lhe tinha surgido. Enquanto isso, vagueava  no Google e em simultâneo recebia o dinheiro que a gestora financeira do Joaquim lhe entregava, em notas de 20 euros, uma de cada vez, devidamente alinhadas na mesa,  somando um total de oitenta euros. Após o pagamento, a rececionista pegou no dinheiro e colocou-o na gaveta. A esposa do Sr. Joaquim pediu-lhe para chamar um táxi. Ela chamou o táxi e pela conversa fiquei convencido que era alguém conhecido. Chegado o táxi, eis que a rececionista voltou a pedir o dinheiro da consulta.

- Eu já paguei, eu já paguei! – repetia a velhota em pânico.
- não pagou, não! Eu não tenho aqui o dinheiro.
A velhota começou a tremer e entrou em pânico e as dores voltaram às costas do Joaquim.
 Pensei eu:  “Bem, isto está aqui uma açorda... “
- A senhora já pagou! – intervim em voz alta, salvando os velhotes.
- já? - retorquiu a rececionista apinocada. - Quando?
- Sim, pagou com quatro notas de 20 euros! - esclareci eu.
- Eu não recebi! - afirmou ela.
- Então conte o dinheiro! - ouviu-se em coro na sala. - A senhora pagou sim!
- Se todos aqui na sala dizem que ela pagou é porque pagou - disse ela, perante a evidência.

O assunto ficou encerrado. Coitado do Joaquim. Foi ao médico por causa das dores nas costas e levou a mulher de perfeita saúde. Por pouco que não saía do consultório com as dores de costas que já tinha, com dores de cabeça, a mulher com  problemas no coração e com menos  oitenta euros na carteira, tudo provocado pela rececionista. A sorte do casal Joaquim foi o facto de na sala todos estarmos atentos.
Se estivessem lá sozinhos, não sei não... Imagino bem como seria...Por este episódio, compreende-se a minha aversão à rececionista. O Joaquim, refeito do susto dos oitenta euros e já a caminho do táxi, arrastando a perna, agradeceu-me e disse mais uma vez:
- Acredite que morrem muitos velhos como eu nas urgências, por mau atendimento. É uma tristeza....

Ninguém consegue tirar esta cisma ao Sr. Joaquim.

Adérito Barbosa
11 de Setembro 2013

 

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