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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Eu consigo amar uma pedra

Eu consigo amar uma pedra

O dia estava radioso; o sol insistia em vencer o frio lixado que anda por estas bandas a chatear a malta. Chegara há pouco do consulado de Angola. A burocracia da documentação que ando a tratar, faz seis meses,  dá-me cabo do cérebro. Sentei-me no sofá e a chatice de sempre: sempre que me sento, há sempre qualquer coisa que me faz levantar novamente. Desta vez tudo corria bem, quando de repente toca o telefone. Levantei-me, peguei nele e reconheci imediatamente o número duma grande amiga minha, uma intelectual, aquilo a que se pode chamar uma corredora de fundo do intelecto. O que é que esta tipa quer a esta hora? Não me digas que vem outra vez com a conversa das doenças…  Ela é uma senhora das doenças. Às vezes mostra-me e deixa-me mexer com pormenor nas manchas da marca do tempo, que na cara começam a evidenciar-se, noutras nem quer que lhe toque no cabelo, tal é o enjoo. Ora quer falar comigo para me pôr a par das trapalhadas dos filhos adolescentes, ora para falar da crise económica, da perda de valores, da falta de humanismo e solidariedade que afecta a Europa e Portugal em particular, mas sempre vai dizendo que não se mete em assuntos de política. Manifesta sempre que está com muito medo de vir a adquirir,  daqui a 60 anos, uma doença qualquer e outras coisas mais que me fazem sempre rir. Desta vez enganei-me.
Mal atendi o telefone, vi logo, pela voz, o quão enganado estava; a voz era doce, bem simpática, bem disposta: - Olá, estás bom? Onde vais agora? Queres ir almoçar?
À hora combinada apareceu. Ela é uma pessoa franca para mim, mas  super forreta para as outras pessoas. Se a bica custa sessenta cêntimos e for para duas pessoas, ela só paga 30 cêntimos, ponto! Ou é assim, ou não há bica para ninguém!
Já sentados à mesa, enquanto aguardávamos pelo prato que havíamos escolhido, começo a observar, em cima da mesa, uma minúscula garrafa de vinho que mal dava para as minhas necessidades.  Nem acreditei, quando ela pegou na garrafa e colocou no seu copo um trago de vinho. Fiquei de pé atrás. Primeiro, o vinho era pouco para mim, segundo, ela nunca bebe, nem come nada condimentado, faz troça dos chouriços, dos presuntos, de tudo o  que seja carne e que tenha sal. Desta vez, a tipa pegou no meu vinho! O que é que se passa aqui hoje? – interroguei-me e pensei que os deuses deviam estar loucos… Ainda bem que foi só uma gota, porque se assim não fosse, os deuses estavam mesmo loucos!
Intrigado, fiquei então à espera do motivo de tão espontâneo convite. Eis senão quando dispara o primeiro problema: - Há pouco vinha no carro e ouvi, na rádio, um tipo que não sei se conheces, que se chama Viriato Soromenho Marques, numa conversa com uma jornalista, sobre a crise europeia.
Não sei se sabes, mas este é muito à frente e não sei se o acompanhas. Ele, o Viriato Soromenho Marques, é uma sumidade intectual contemporânea;  tenho muita pena de não ter sido aluna dele na faculdade. Apesar de ser tudo muito à frente para mim e que, segundo ela, eu não consigo chegar lá, sempre vai falando comigo sobre filosofia.  Perguntou-me se eu conhecia alguns dos  textos mais marcantes da Europa contemporânea, como os discursos do Hitler, Churchill, Jean Monnet, Robert Schuman e outros, e, ainda, se conhecia a “História das Ideias Contemporâneas”. Lembrou-me  uma vez  mais que as ideias Kantianas eram ideias muito à frente para as minhas capacidades e conhecimento. Vou emprestar-te o livro do Immanuel Kant que se chama “Crítica da Razão Pura”.  Esse livro, só um tipo como o Soromenho, ou uma pessoa com o nível dele consegue ler e perceber.
Disse-lhe: - Empresta-me lá então o livro, para ver se o consigo ler. Se consegui ler o livro  “Hei-de amar uma pedra” de António Lobo Antunes, também consigo ler qualquer pensamento escrito.
Só sei que não consigo entender o discurso que o Presidente da República proferiu ontem sobre a Grécia, nem  as declarações do chefe do governo português sobre a mesma questão.
O que eu vi foi um pobre falar mal do outro: - Tu és mais pobre que eu. Um roto dizer ao outro: - Tu estás mais roto que eu! Um a dizer ao outro: --Tu estás nu e eu estou menos nu que tu, penso que sou rico logo acho que tu tens ideias de criança; - Tu tens que fazer o que europa manda entendido!
Aqui está uma questão que o Soromenho não consegue compreender, nem tão pouco o Kant consegue explicar, nem sobre ela filosofar, nem a minha amiga, embora lá muito à frente, consegue acompanhar!
Sou capaz de amar uma pedra, mas nunca serei capaz de suportar gente com cérebros que classifico de BBB-, vulgo lixo, como é o caso dos que referi.
A única satisfação que sinto é que  não votei nem no Presidente,  nem nos desmiolados do governo…Ficar-lhes-ia grato que não falassem em meu nome. Que venham   Kant,  Schuman, Descartes ou Hegel explicar e Soromenho entender, porque eu também não!!!


Adérito Barbosa  in olhosemente

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