"O que é a sociedade? Faz- me
uma crónica sff. Fala o que achas da sociedade de hoje em dia. Tenta mandar-me
antes das 11:30 mas não precisa de ser muito grande" - foi assim tal e
qual, sem tirar nem pôr, a mensagem que recebi da Matilde.
A Matilde tem 15 anos e frequenta o
10º ano no Instituto dos Pupilos do Exército. Todos os meus amigos mais
próximos, os meus filhos e a minha família, em geral, sabem o que representa a
Matilde para mim. Ela é a filha mais nova que tenho e tem cerca de 16 anos de
diferença dos meus filhos biológicos;
talvez por isso, tenha
usufruído de privilégios que, por
vezes, excedem em muito o seu merecimento.
A hora
prevista para o exame médico já estava largamente ultrapassada em quase
uma hora, o que me fazia crer que, naturalmente,
iria ser chamado a qualquer momento, tornando praticamente impossível escrever a redacção completa para a Matilde.
Como havia estudado a disciplina de Área de Integração há pouco tempo com ela, sabia perfeitamente
do que se tratava. No entanto, pensei
também que podia ser uma praxe lá do colégio, entre alunos. É prática
recorrente que um aluno mais velho, com a preguiça de escrever, peça a um mais
novo que lhe faça uma redacção sobre um determinado tema, para depois a
apresenta na aula, como se fosse da sua
autoria. Os alunos mais novos, por sua vez, encomendam esse trabalhinho
aos pais, tios ou avós, que, por esta
via, são apanhados pela praxe também.
Na dúvida, fiz uma pesquisa
rapidamente na net, tirei umas ideias e escrevi
o seguinte texto, que lhe enviei,
via sms:
"A sociedade é formada por um grupo de pessoas
com semelhanças étnicas, culturais, políticas ou religiosas, ou mesmo pessoas com um objetivo comum. As
delimitações físicas de um território ou de um país, ou mesmo de um continente
podem definir por si só uma sociedade.
Os membros de uma sociedade compartilham interesses ou preocupações mútuas
sobre um objectivo comum. Como tal, o termo
sociedade é muitas vezes usado
como sinónimo para o colectivo de cidadãos de um país, governado
por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico". Como isso é comum em praticamente todos os
países, podemos afirmar, sem
dúvida, que vivemos numa sociedade
global, que nem mais nem menos é um “… conjunto de opções de ordem política e
económica mundial. Esse fenómeno criou pontos de interesse comum na política sócio-económica, cultural e
política." Consequentemente, o mundo inteiro ficou interligado, surgindo
assim a aldeia global. "O processo de globalização é a forma como os
mercados de diferentes países interagem e aproximam pessoas e mercadorias. A quebra de fronteiras gerou uma expansão
capitalista, sendo possível realizar
transacções financeiras e expandir os negócios para mercados distantes e
emergentes.” Os grandes avanços
tecnológicos, as inovações nas áreas das telecomunicações e da informática
(especialmente com a Internet) foram determinantes para a construção de um
mundo globalizado.
Não disse à Matilde que ela vive
numa sociedade com aspectos terrivelmente negativos. Não lhe dei o exemplo do
nosso país, onde os governantes chegam ao poder com base na mentira, enganando descaradamente os
cidadãos para caçar votos, onde os juízes são, eles próprios, mais notícia que
a própria justiça, onde os procuradores manipulam os trâmites legais dos
processos, onde os advogados ludibriam a lei, onde os jornalistas manipulam a
opinião pública, onde as Finanças abusam dos contribuintes, onde o Presidente
da República mente à Nação, onde a CMVM mente ao mercado de valores, onde o
Banco de Portugal mente às salas de mercados, onde os banqueiros mentem aos
depositantes, onde o ex-CEO e CFO da PT mente, onde as leis gizadas nos
escritórios dos advogados são autênticos fatos de protecção, promotores da
corrupção, onde os deputados, jovens
inexperientes, não conhecem as amarguras da vida, mas fingem saber tudo e até fazem leis, onde o programa de ensino muda a cada
ano que passa, onde não há política de natalidade, onde os jovens como ela
terão que, mais cedo ou mais tarde, sair
do seu país, onde as empresas diariamente encerram e onde há quase um milhão de desempregados e
famílias inteiras na miséria.
Eu não disse à Matilde que, na
sociedade em que vive, o António Costa roubou,
através de um golpe de estado
democrático, o lugar ao anterior líder do PS, a pretexto de falsidades. O
António foi apresentado como o Messias dos Messias, mais parecendo D. Sebastião, O Desejado, e agora veio dizer
aos chineses, aos mesmos de sempre, aos
chineses da banca, aos dos vistos Gold, aos da EDP, aos dos prédios da baixa
pombalina e dos hotéis que o país está melhor! Incrível!...
Também não disse à Matilde que um dia depois de os governantes deste país terem tentado
bloquear um acordo sobre a Grécia no Eurogrupo,
a Comissão Europeia veio dizer
que Portugal precisa de vigilância, de ser vigiado permanentemente, porque a política seguida até àquela data
tinha gerado mais pobres e acentuado mais as desigualdades entre os portugueses,
escamoteando o direito à igualdade de oportunidades na vida em sociedade. Não
lhe disse que o nosso Primeiro reagiu, dizendo que a União Europeia precisa de
consertar melhor as suas opiniões, porque, afinal, ele fizera exatamente o que
lhe mandaram fazer e não entendia os reparos feitos sobre a pobreza.
A Matilde também não ia entender e
por isso não lhe disse que o nosso Primeiro não pagou qualquer valor à
Segurança Social, durante cinco anos em
que trabalhou a recibos verdes, entre 1999 e 2004. Esqueceu-se??? Não pagou na altura, nem nunca! Mas não se
esqueceu de dar ordens, para que as dívidas de qualquer pobre cidadão à
Segurança Social sejam saldadas, penhorando
casas, empresas ou quaisquer bens.
Eu não disse à Matilde nada disso,
porque ela não ia entender… adivinhei! A moça não entendeu mesmo! Passado pouco
tempo recebi outra mensagem sua.
- "Faz outra com outro
tema"!
Afinal, tratava-se mesmo de uma praxe mas, nada comparável à praxe que os políticos sujeitam os
portugueses todos os dias, de maneira abusiva e destrutiva, sem olharem às
consequências que afectam gravemente toda a sociedade.
Adérito Barbosa in olhosemlente