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segunda-feira, 2 de março de 2015

O País que escondi à Matilde


"O que é a sociedade? Faz- me uma crónica sff. Fala o que achas da sociedade de hoje em dia. Tenta mandar-me antes das 11:30 mas não precisa de ser muito grande" - foi assim tal e qual, sem tirar nem pôr, a mensagem que recebi da Matilde. 
A Matilde tem 15 anos e frequenta o 10º ano no Instituto dos Pupilos do Exército. Todos os meus amigos mais próximos, os meus filhos e a minha família, em geral, sabem o que representa a Matilde para mim. Ela é a filha mais nova que tenho e tem cerca de 16 anos de diferença dos meus filhos biológicos;  talvez por isso, tenha  usufruído  de privilégios que, por vezes, excedem em muito o seu merecimento.

A hora  prevista para o exame médico já estava largamente ultrapassada em quase uma hora, o que me fazia crer que,  naturalmente, iria ser chamado a qualquer momento, tornando praticamente impossível  escrever a redacção completa para a Matilde.
Como havia estudado  a disciplina de Área de Integração  há pouco tempo com ela, sabia perfeitamente do que se tratava.  No entanto, pensei também que podia ser uma praxe lá do colégio, entre alunos. É prática recorrente que um aluno mais velho, com a preguiça de escrever, peça a um mais novo que lhe faça uma redacção sobre um determinado tema, para depois a apresenta na aula, como se fosse da sua  autoria. Os alunos mais novos, por sua vez, encomendam esse trabalhinho aos pais, tios ou avós,  que, por esta via, são apanhados pela  praxe também.
Na dúvida, fiz uma pesquisa rapidamente na net, tirei umas ideias e escrevi  o seguinte texto, que lhe enviei,  via sms:

"A  sociedade é formada por um grupo de pessoas com semelhanças étnicas, culturais, políticas ou religiosas,  ou mesmo pessoas com um objetivo comum. As delimitações físicas de um território ou de um país, ou mesmo de um continente podem definir  por si só uma sociedade. Os membros de uma sociedade compartilham interesses ou preocupações mútuas sobre um objectivo comum. Como tal, o termo  sociedade é muitas vezes usado  como sinónimo para o colectivo de cidadãos de um país,  governado  por instituições nacionais que lidam com o bem-estar cívico".  Como isso é comum em praticamente todos os países, podemos afirmar,  sem dúvida,  que vivemos numa sociedade global,  que nem mais nem menos é um  “… conjunto de opções de ordem política e económica mundial. Esse fenómeno criou pontos de interesse comum na  política sócio-económica, cultural e política." Consequentemente, o mundo inteiro ficou interligado, surgindo assim a aldeia global. "O processo de globalização é a forma como os mercados de diferentes países interagem e aproximam pessoas e mercadorias.  A quebra de fronteiras gerou uma expansão capitalista, sendo  possível realizar transacções financeiras e expandir os negócios para mercados distantes e emergentes.”  Os grandes avanços tecnológicos, as inovações nas áreas das telecomunicações e da informática (especialmente com a Internet) foram determinantes para a construção de um mundo globalizado.

Não disse à Matilde que ela vive numa sociedade com aspectos terrivelmente negativos. Não lhe dei o exemplo do nosso país, onde os governantes chegam ao poder com  base na mentira, enganando descaradamente os cidadãos para caçar votos, onde os juízes são, eles próprios, mais notícia que a própria justiça, onde os procuradores manipulam os trâmites legais dos processos, onde os advogados ludibriam a lei, onde os jornalistas manipulam a opinião pública, onde as Finanças abusam dos contribuintes, onde o Presidente da República mente à Nação, onde a CMVM mente ao mercado de valores, onde o Banco de Portugal mente às salas de mercados, onde os banqueiros mentem aos depositantes, onde o ex-CEO e CFO da PT mente, onde as leis gizadas nos escritórios dos advogados são autênticos fatos de protecção, promotores da corrupção, onde os deputados,  jovens inexperientes, não conhecem as amarguras da vida, mas fingem  saber tudo e até fazem  leis, onde o programa de ensino muda a cada ano que passa, onde não há política de natalidade, onde os jovens como ela terão que,  mais cedo ou mais tarde, sair do seu país, onde as empresas diariamente encerram  e onde há quase um milhão de desempregados e famílias inteiras  na miséria.

Eu não disse à Matilde que, na sociedade em que vive, o António Costa roubou,  através de um  golpe de estado democrático, o lugar ao anterior líder do PS, a pretexto de falsidades. O António foi apresentado como o Messias dos Messias, mais parecendo  D. Sebastião, O Desejado, e agora veio dizer aos chineses, aos mesmos de sempre,  aos chineses da banca, aos dos vistos Gold, aos da EDP, aos dos prédios da baixa pombalina e dos hotéis que o país está melhor! Incrível!...
Também  não disse à Matilde que um dia depois  de os governantes deste país terem tentado bloquear um acordo sobre a Grécia no Eurogrupo,  a Comissão  Europeia veio dizer que Portugal precisa de vigilância, de ser vigiado permanentemente,  porque a política seguida até àquela data tinha gerado  mais pobres e acentuado  mais as desigualdades entre os portugueses, escamoteando o direito à igualdade de oportunidades na vida em sociedade. Não lhe disse que o nosso Primeiro reagiu, dizendo que a União Europeia precisa de consertar melhor as suas opiniões, porque, afinal, ele fizera exatamente o que lhe mandaram fazer e não entendia os reparos feitos sobre a pobreza.

A Matilde também não ia entender e por isso não lhe disse que o nosso Primeiro não pagou qualquer valor à Segurança Social, durante cinco anos  em que trabalhou a recibos verdes, entre 1999 e 2004. Esqueceu-se???  Não pagou na altura, nem nunca! Mas não se esqueceu de dar ordens, para que as dívidas de qualquer pobre cidadão à Segurança Social sejam saldadas, penhorando  casas, empresas ou quaisquer bens.
Eu não disse à Matilde nada disso, porque ela não ia entender… adivinhei! A moça não entendeu mesmo! Passado pouco tempo recebi outra mensagem sua.

- "Faz outra com outro tema"!

Afinal, tratava-se mesmo de uma praxe mas, nada comparável à praxe que os políticos sujeitam os portugueses todos os dias, de maneira abusiva e destrutiva, sem olharem às consequências que afectam gravemente toda a sociedade.


Adérito Barbosa in olhosemlente

1 comentário:

  1. Não disseste mas devias ter dito à Matilde "uma sociedade compartilham interesses ou preocupações mútuas sobre um objectivo comum." Mas que infelizmente em Portugal que não tem sido assim, um grupo de políticos e gestores financeiros corruptos têm defendido os seus bens próprios causando uma sociedade desigual onde abunda o suborno e as "cunhas" e esta é sociedade que nós lhe vamos deixar.

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