Tempo ameno, turistas
aos magotes, tascas das ginjinhas numa azáfama que só visto - copinhos de
ginjinha cheios sobem em direcção às gargantas e descem vazios para o tampo da
mesa. Elas, mais rápidas do que eles, pedem mais outra rodada e soltam risadas
- o álcool escondido atrás do doce torna as mulheres mais giras e desenvoltas.
São turistas, na sua
maioria brasileiros, havendo também alemães, suecos, ingleses e espanhóis, a
gozarem certamente das suas reformas, pela idade que aparentam ter.
Lojas de artesanato
são tantas, que não dá para acreditar; toalhas de mesa, rendas de bilros,
bordados, canecas, canequinhas, chapéus, bonés, bolsas e garrafas de licor de
ginja para todos os gostos - há de tudo um pouco. Nenhum turista sai daqui sem
levar uma recordação. A vila situa-se
dentro do portentoso castelo. A região de Óbidosi, segundo o roteiro turístico,
posssui vinte e quatro hotéis e um sem fim de restaurantes, tendo sido
considerada pela UNESCO uma cidade literária e parte integrante do programa
Rede de Cidades Criativas.
O Castelo de Óbidos é
uma das Sete Maravilhas de Portugal, o segundo dos sete monumentos mais
relevantes do património arquitectónico português. A palavra Óbidos deriva do
termo latino ópido que significa cidadela, cidade fortificada. A cidade terá
sido erguida no tempo de César Augusto, no final do século I a.c. e sobreviveu
até à segunda metade do século V. Alguns dos espaços foram posteriormente
reocupados, como se verifica pela existência de dois edifícios medievais. As
ruas, apesar de entupidas pela enorme massa humana, apresentam um asseio de
fazer inveja.
Também sou turista por
aqui, em igualdade de circunstâncias com os outros. Eles vieram de autocarro de
turismo com guia do hotel, eu de autocarro também, mas sem guia. Vim na
Rodoviária do Oeste, por indicação do barbeiro lá do meu burgo, que outro dia
me dizia:
- Para Óbidos vai-se
de autocarro, paga-se cerca de dois euros e são 10 minutinhos de viagem; bebe
uns copos por lá e volta sossegado, longe dos olhares da GNR, que os gajos
andam por aqui doidinhos, à caça das multas.
Foi por essa sugestão
que experimentei partir para a odisseia; só que o malandro do barbeiro
esqueceu-se de me referir que o último autocarro era às 16 horas e para
regressar a casa tive que vir de táxi, pela módica quantia de vinte euros. Na
segunda-feira vou apresentar-lhe a factura do táxi…
Como turista, entrei
numa tasca para emborcar também a famosa ginjinha. Mandei servir uma e depois
outra. Chegou um indivíduo que também se sentou, numa mesa ao lado. Passados
uns minutos apareceu do outro lado da rua outro indivíduo. Olhou, olhou e
atravessou a rua na minha direcção, mas não, não era para mim, era para o tipo
da mesa ao lado.
- Então Zé, há quanto
tempo que não te via, pá! Estás bom, que fazes?
- Eu estou a trabalhar
em Lisboa; saio de casa de madrugada e só chego à noite.
- Então quando é que
te reformas?
- Com a merda do
governo que temos e as leis sempre a mudar, ainda me faltam cinco anos.
- Eu também.
- A família está bem?
- A família está, eu é
que ando com um problema aqui num pulmão. Sinto-me sempre cansado.
- Ó diabo, já foste ao
médico?
- Já, ando a ser
acompanhado por uma médica em Lisboa.
- Ó Zé, como é que
deixaste essa coisa aparecer?
- Faço exames médicos
regularmente pela empresa e desta vez deram conta deste problema.
- Desculpa lá ó Zé,
desculpa que te diga, mas não fizeste, não! Se fizesses todos os anos, eles já
tinham visto isso. Já fizeste TAC?
- Já, foi a TAC que
revelou isso.
- Zé, desculpa lá, tu
nunca fizeste TAC coisa nenhuma. Se calhar fizeste foi radiografias. Se
tivesses feito TAC eles já tinham visto isso.
- Já te disse que
todos os anos faço exames para controlar este problema. Agora é que agravou.
- Tens que tomar
cuidado, Zé! Esse problema não é para brincadeira. Tens que dizer à tua médica
que ela tem que te passar uma TAC. Se tivesses feito a TAC, hoje não tinhas
problema nenhum.
Entretanto, foi
aproximando-se devagarinho um Smart Fortwo. - Ó pai, vamos embora, que ainda
tenho que ir para Lisboa fazer uma TAC às sete horas.
O Manuel despediu-se
do Zé e dirigiu-se apressado em direcção à filha. Chegou ao meio da rua e
voltou para trás: - Zé, tens que fazer uma TAC, pois com uma TAC eles vêem
tudo. Não brinques com isso!
De regresso à
freguesia, sentei-me na esplanada da sociedade recreativa, A Serrana, onde tudo
acontece. Nenhum forasteiro passa despercebido quando lá entra e a mim ainda me
olham com ar desconfiado. Em duas das três mesas à minha direita estavam
sentados dois indivíduos, de pele curtida pela lavoura, cada um na casa dos
setenta e cinco anos para cima, que falavam entre si e enquanto esperava pelo
café, ia ouvindo:
... - Aquilo tem
travão de mão eléctrico. Para destravar, tenho que abrir a mala do carro, tem
um manípulo vermelho e destravo.
- Eh pá, isso não pode
ser!
- Estou-te a dizer
que é assim.
- Se calhar tentas
destravar o carro com ele desligado. O meu também tem travão eléctrico e o do
meu filho e da minha nora. Todos têm travão eléctrico. Ligamos o carro,
carregamos no travão de pé que é para o carro não abalar, carrega-se no botão e
ouve-se um ruído que é o carro a destravar.
- Pois o meu não! Para
destravar tenho que abrir a mala e puxar um manípulo para destravar, porque se
não, não abalo para lado nenhum. Os carros modernos são assim. É para evitar
que a gatunagem nos leve os carros, tu não ouves as notícias? Continuaram a
bater na mesma tecla e pelo que ouvi, acho que nunca vão chegar a um acordo.
Eis que chega outro
indivíduo ao telefone, mas em alta voz, talvez com o Facetime ligado; do outro
lado ouvia-se uma voz feminina com sotaque “meio franciú, meio portugais”.
Talvez uma irmã, prima ou sobrinha que insistia:
- Tens de cá vir
passar uma temporada connosco. Vens, que o Carlos vai buscar-te ao aeroporto.
Nós vivemos a 80 km de Paris. Na França 80 kms não é nada, faz-se num
instantinho a 180…
Ele continuava na
dele:
- Não, eu não vou! Tu
queres é controlar-me, estás sempre a telefonar; telefonas de meia em meia
hora; tu queres é controlar-me! Olha lá, vocês aí nessa zona têm muitos
coelhos? Eu não vou, nunca andei de avião, ainda aquela coisa cai! Não, deixa-me
estar que eu estou bem. Sabes o que vai ser o meu jantar? Vai ser carapaus.
Hoje levantei-me cedo, fui à lota e às seis da manhã já estava novamente em
casa.
O dia deste fulano
começa cedo; teimosias…
É assim o passar dos dias na província… uma
maravilha.
Adérito Barbosa in olhosemlente
Adérito Barbosa in olhosemlente
É desta forma mesmo... um mar de turistas a beber a tal ginginha. E a perambular pelas ruas estreitas de casas pequeninas e caiadas. Lindo lugar. Chega a ser encantador.
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