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segunda-feira, 14 de julho de 2025

Eles perderam a guerra no estúdio

 



Montaram uma banca de peixeiradas na praça da lixeira CNNPortugal. A única diferença é que aparecem de farda invisível e patente no ego, disparam argumentos como quem dá ordens para marchar. E quando o contraditório lhes bate à porta, respondem como se estivessem a lidar com recrutas ou com inferiores hierárquicos aos gritos, com ataques pessoais e, nalguns casos, com bocas foleiras à mistura.

É neste lamaçal estratégico que alguns dos nossos generais de microfone na lapela continuam a sarnar a molécula ao totó português com a história de que Putin está a um passo da consagração, como se Moscovo já estivesse a ensaiar o desfile da vitória.

Neste contexto, têm-se multiplicado os atritos no lixo canal. Carlos Branco, ex-oficial de alta patente da NATO — possivelmente um agente da FSB infiltrado — tem vindo a adoptar uma leitura tão simpática da estratégia russa que quase parece funcionário do Ministério da Defesa em Moscovo. Por outro lado o meu velho conhecido Agostinho, com o seu estilo educacional forçado, doce como mel, mas menos descarado, não esconde as dificuldades em aceitar visões diferentes, especialmente quando vêm de jornalistas ou comentadeiras. Estas últimas, por serem mulheres — e nós, os casados, já sabemos: quando elas se passam connosco, atiram pratos ao ar, copos e choram desalmadamente de tanta infelicidade por estarem casadas com um homem bom — tornam o estúdio num local muito perigoso para se estar.


Aqui no monte, ouço-os tranquilamente e sinto um odor a bafo de álcool da caserna.

Habituados a mandar sem serem questionados, os generais transportam para os estúdios de televisão a lógica do quartel. Só que no mundo civil a autoridade não está nas estrelas nem nos galões — está nos argumentos. E, de preferência, servidos em esplanadas com elevação. Mas eles não vão para discutir, vão para comandar. E quando alguém ousa questionar o comandante, está tudo fodido. Começam os ataques pessoais num suspiro teatral.

Carlos Branco, por exemplo, já protagonizou diversos episódios tensos com o jornaleiro Pedro Bello, chegando ao ponto de virar um copo de água num acesso de fúria contida. O meu amigo Agostinho não ficou atrás, envolvido em discussões onde o tom roçou o insulto directo, sobretudo com comentadeiras que não lhe prestaram continência analítica. Estes gestos de impaciência, que no quartel podiam ser tolerados como temperamento do comandante, na praça pública soam a birra de velho autoritário que nunca aprendeu a discutir ideias.

É a ilusão do monopólio do saber.

Convém sublinhar que os três generais (uns mais do que outros) representam uma elite militar que nunca se habituou à crítica. Cresceram num meio onde se repetem ordens e onde o debate é substituído pela execução. Passar da caserna para o estúdio, sem um processo de adaptação crítica, leva a uma espécie de choque civilizacional. Acreditam ter o monopólio da análise militar e estratégica, como se os civis — mesmo bem informados — não tivessem legitimidade para opinar sobre política internacional. E essa falsa ilusão de superioridade intelectual colide de frente com a realidade democrática do contraditório.


Ao serem confrontados com dados, interpretações alternativas ou simplesmente com perguntas incómodas, os generais perdem o norte. Não conseguem defender a sua posição com serenidade nem aceitar que o mundo não é uma ordem de batalha. É aí que entram os insultos, os olhares de desdém e os célebres: “não me interrompa, e mais, digo-lhe mais, não lhe admito, eu estive na guerra, vá estudar e depois venha para aqui falar”.

Com esta postura, os generais perderam a guerra no estúdio claramente.

Ironia das ironias: homens que dedicaram a vida a estudar guerra não conseguem conviver com o conflito mais básico da democracia — o debate. Perderam a compostura, perderam a razão e, pior ainda, perderam o respeito do público, que esperava deles elevação, não berraria. Por isso mesmo eu próprio não os reconheço!

Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

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