Marquei com o Joaquim às 19h15. Ele marchou de Estoril, eu do Bombarral. Destino comum: MEO Arena. Uma amiga nossa, muito querida, tinha desencantado dois bilhetes para os Iron Maiden, em plena digressão mundial Run For Your Lives. Claro que não era coisa para se desperdiçar.
Agora, ventos favoráveis é que não estavam. Desde o dia anterior que o meu ouvido direito andava com ideias próprias — dor aguda, daquelas que só querem estragar planos. Mas nada que o arsenal tradicional português não resolva: antibiótico no ouvido, Ben-u-ron no estômago, e um pastel com ar de chamuça no bucho. Pronto, estava preparado para o embate.
Chegados ao recinto, o ambiente não desiludiu. No ar, um perfume pesado a ganzas, daqueles que fazem mossa na alma — e, já agora, no tímpano também. A banda de abertura, os suecos Avatar, já ia a meio da função. Não conhecia, confesso. Mas os tipos safam-se bem: bons de palco, cheios de energia, sabem entreter a malta. Aqueceram o motor como manda a lei do rock.
Três minutos antes das 21h00 — pontualidade britânica, claro — apagam-se as luzes. Entram os Iron Maiden. O cenário abre com ruas de Londres, mas logo na primeira música já estamos sob um céu parisiense. Cenários a mudar a cada tema, luzes a estalar, produção de luxo. Dá gosto ver bandas que ainda tratam isto como arte e missão.
Estava com receio que o meu ouvido não aguentasse o embate. Mas, curiosamente, ao fim de três músicas, ou a dor desapareceu, ou fui eu que deixei de a sentir. Conclusão provisória, mas convicta: em vez de ir ao médico, vá-se antes a um concerto de rock no MEO Arena. A combinação de decibéis com a fumarola das passas de erva forma uma espécie de vapor terapêutico. Cura. Cura mesmo.
O concerto foi qualquer coisa. Os Iron Maiden regressaram a Portugal com um espectáculo de peso e memória. Estão a celebrar cinquenta anos de estrada, e esta é a vigésima sexta digressão mundial da banda. O alinhamento foi certeiro: só temas dos primeiros nove álbuns — de Iron Maiden (1980) até Fear of the Dark (1992). Ou seja, só clássicos.
Aces High, The Trooper, Revelations, Fear of the Dark, The Number of the Beast, Run to the Hills, Seventh Son of a Seventh Son, Hallowed Be Thy Name, Wasted Years.
Bruce Dickinson, com sessenta e seis anos bem aviados no lombo, continua a ser um senhor do palco. Fatos militares, bandeiras, uma máscara comprada numa sex shop (segundo ele) — não faltou nada. Em The Trooper, aparece vestido como se viesse mesmo da Guerra da Crimeia. Em Powerslave, está mascarado e possuído. Energia para dar e vender.
E, claro, Eddie, o eterno mascote, surge em múltiplas encarnações: digitalizado, fardado, esquelético, a mandar no palco como sempre mandou.
O Hallowed Be Thy Name, com Bruce dentro de uma jaula, é daquelas cenas que ficam para sempre. E o final com Wasted Years foi de levantar o MEO. Estivemos lá, eu e o Joaquim. Sentimos tudo. E o que se vive ali, sinceramente, não se consegue explicar a ninguém que não tenha estado.
Foi uma noite inesquecível. E saí de lá com uma certeza científica, quase espiritual: aquela nuvem densa sobre a plateia — aquele cheiro estranho, medicinal, místico — resolveu a minha otite. Não sei explicar. Mas que cura, cura. Imaginem o que aquilo não faz a quem fuma... Devem sair de lá virados do avesso. Eu só inspirei... e saí novo.
Cheguei a casa, enfiei-me no vale dos lençóis e voltei à condição inicial: conviver com a dor no ouvido. Antibiótico despejado lá para dentro — e agora, é rezar para que eu consiga dormir.
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com
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