Enquanto o Médio Oriente arde a sério, com explosões, corpos mutilados, drones a caçar gente como moscas e blocos de betão a esmagarem famílias inteiras, a Europa continua de volta dos seus salões envidraçados. Cimeira atrás de cimeira, entre bandeiras içadas e selfies, António Costa e companhia desfilam como se estivessem a gerir um clube de golfe da Consolação, entre beijinhos de circunstância, discursos vazios e a eterna encenação do “nós, europeus, somos a consciência moral do mundo”.
A verdade, nua e crua, é que a Europa está fora das grandes decisões. Não por falta de história, de peso económico ou de cultura estratégica — mas porque preferiu sonhar durante décadas no sentido mais infantil da palavra: progressista, pacífica, multicultural, eticamente superior, oásis da civilização entre selvagens. Tanto parlapier gasto a sonhar, a pregar, a organizar cimeiras, discursos do clima, do amor fraterno, e da transição ecológica, o gás russo fluía para as casas da malta serenamente. Acreditaram que a guerra era coisa do passado, que a defesa era um luxo reacionário e que o mundo, tal como uma criança bem-educada, ia aprender pelos bons exemplos.
E então vieram os refugiados às catadupas. Primeiro uns milhares, depois dezenas, centenas de milhares. Subsarianos, afegãos, sírios, líbios africanos. E lá estavam elas — as meninas das organizações humanitárias da esquerda europeia, vestidas de branco, corações de peluche ao peito, prontas para acolher, beijar, embalar, dar serviços de apoio e mais tarde soube-se do serviço sexual que algumas alemãs também prestaram - Era a nova religião europeia: acolher o outro. Dar a outra face, oferecer abrigo, cidadania e Estado Social a quem, muitas vezes, nem sequer partilha os fundamentos civilizacionais do país que o acolhe. Mas isso não se podia dizer. Era racismo, era fascismo, era intolerância.
A utopia exigiu silêncio total.
Os burocratas de Bruxelas, os governos bem-pensantes do Norte, os parlamentares do Sul, todos entoaram o cântico das boas intenções. E à medida que o mundo se militarizava, que a Rússia se rearmava, que a China montava a sua rede de influência global, que os Estados Unidos escolhiam o isolacionismo intermitente, a Europa ia discutindo a treta das quotas de carbono.
O Reino Unido percebeu cedo que estava a bordo de um cruzeiro que seguia em direção ao iceberg. Saltou fora. Chamaram-lhes de tudo: retrógrados, nacionalistas, populistas. Mas o tempo acabou por lhes dar razão. Porque enquanto os europeus dormem embalados no seu delírio pós-nacional, a realidade morde. A realidade não ouve discursos nem respeita cimeiras. A realidade chega com tanques, hackers, sabotagem industrial e alianças oportunistas entre ditadores. E o que tem a Europa para responder? Uma força armada conjunta? Uma indústria de armamento robusta? Uma diplomacia eficaz? Nada disso. Tem comités, regulamentos e resoluções.
As Forças Armadas europeias, onde existem, estão subnutridas, envelhecidas e dependentes do que os EUA quiserem fornecer. Os arsenais estão desatualizados, a prontidão militar é ridícula. E, no entanto, continuam a falar em “autonomia estratégica europeia”. Como se fosse possível construir estratégia sem vontade, sem músculo, sem convicção — apenas com papelada.
Não é de agora. A decadência é longa. Foram décadas de culto do desarmamento, de redução orçamental na Defesa, de desprezo pelo poder duro. A Europa entregou-se ao ideal kantiano da paz perpétua, sem perceber que o mundo funciona ainda no registo hobbesiano — onde quem não tem força, não tem lugar à mesa. Só resta-lhe o papel de espectadora. Uma espectadora moralista, que protesta, assina petições e organiza fóruns. Uma espectadora que aplaude os seus próprios gestos simbólicos, mesmo quando a casa está a arder.
O problema é este: a Europa apaixonou-se pela sua própria imagem no espelho. Uma imagem serena, acolhedora, civilizada. Mas esqueceu-se que o espelho não é o mundo. O mundo não se compadece com vaidades nem com princípios se não forem defendidos com coragem. E coragem não é um valor europeu neste momento. O que há são ministros do Ambiente, secretários de Estado do Bem-Estar Emocional e cimeiras sobre o futuro do planeta num planeta onde a guerra, o petróleo, os mísseis hipersónicos e a escassez de alimentos estão a escrever a próxima era.
A União Europeia, de Costa e companhia, continua a dançar o seu bailado cerimonial em Bruxelas, entre bandeiras, sorrisos, beijinhos e PowerPoints. Ignorando que lá fora, o mundo é feio, sujo e perigoso.
E a Europa já não está à altura dele.
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com
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