poeta.adérito.barbosa.escritor.autor.escritor.artigos.opinião.política.livros.musica.curiosidades.cultura Olhosemlente

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Vinho canalizado para todos em 2026

 


O homem que teve a ideia do vinho canalizado chama-se João Manuel Vieira, candidato às presidências e convém dizer desde o início que não estou a falar de um político convencional. João Manuel Vieira nasceu com uma propensão natural para transformar banalidades em sátiras. Músico, vocalista dos Ena pá 2000, banda que por si só já dá pano para mangas, é conhecido por assumir personagens em palco como “Lello Universal, Lello Minsk, Lello Marmelo, Élvis Ramalho, Orgasmo Carlos, Catita, entre outros. Em 2008, uma sua biografia fictícia foi alvo de uma série de seis episódios intitulada Mundo Catita, transmitida pela RTP2.” Da sátira política à crítica social, da palhaçada inteligente à provocação artística, João Manuel Vieira sempre se moveu num território onde o humor e o desconforto caminham de mãos dadas.

Mas o currículo não acaba aqui. Longe disso. Além de músico, é professor na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, onde passa parte do tempo a ensinar estudantes a pensar, a desconstruir e a reconstruir o mundo, mostrando que a arte não serve apenas para pendurar nas paredes, mas também para abanar estruturas, desafiar poderes instalados e pôr muita gente com os nervos em franja. Como se isto não bastasse, foi também o lendário proprietário do cabaré Maxime, espaço histórico da boémia lisboeta, onde tive o grato prazer de vaguear. Por lá circulavam artistas, poetas, bêbedos ocasionais, intelectuais tortos e almas extraviadas. O Maxime foi, durante anos, um laboratório de excessos, criatividade e liberdade. Um sítio onde se falava de tudo — política, sexo, arte, dívidas ao Estado — sempre com um copo cheio na mão e uma gargalhada à espera de explodir. E porque quem faz um cabaré faz dois, João Manuel Vieira é actualmente proprietário de outro cabaré, mantendo viva a chama da noite lisboeta e garantindo que ainda existe um espaço onde a cultura, a conversa fiada e o caos produtivo se encontram para um copo e uma música. Portanto, sim, presumo que seja um tipo bacana. E se se confundiu várias vezes pelo caminho, como dizem alguns, eu cá acho que faz parte do charme. Há vidas demasiado organizadas para serem interessantes.

Eu, que até já tinha prometido votar no Seguro, vi-me subitamente abalado na minha convicção quando soube que João Manuel Vieira prometia vinho canalizado. Uma promessa desta magnitude tem peso histórico. Uns candidatos prometem baixar impostos, outros prometem estabilidade e sustentabilidade, João Manuel Vieira promete vinho. Pelas torneiras, a qualquer hora, em casa, no trabalho, no balneário do ginásio. E digo já: nunca me senti tão próximo da política nacional. Pode parecer absurdo alguém prometer vinho pelas canalizações domésticas, mas não é assim tão descabido. Há candidatos que fazem propostas ainda mais delirantes, algumas ditas com a maior das convicções, como se fossem dogmas. Ventura, por exemplo, promete mudar tudo, absolutamente tudo, mas nasceu no sistema, vive no sistema e há-de morrer no sistema. Ora aparece nas Finanças a cobrar impostos aos pobres, ora no PSD a querer ir para a Câmara de Loures, ora no Parlamento a agitar bandeiras, ora nas presidências a prometer um novo país, como se o presidente governasse. - Ninguém mais dentro do sistema do que o Ventura. Sempre andou dentro do sistema, vive do sistema. Ele é o sistema. 


Voltemos a João Manuel Vieira, arquitecto do vinho canalizado. Eu prometo votar nele e, já agora, aproveito esta oportunidade para lhe pedir desculpa por ter deixado de frequentar o cabaré dele. A vida de casado tem destas coisas: compatível com vinhos, sim, compatível com cabarés, nem por isso. É uma incompatibilidade estrutural, quase científica. Mas o vinho… ah, o vinho. Esse não falha. Todos os dias emborco dois copinhos, medicinais, claro, e faço-o com disciplina e sentido de dever. Se um dia vier mesmo a sair das torneiras, tanto melhor. E já que estamos a falar de João Manuel Vieira, convém ampliar um pouco mais o currículo, para os mais indecisos perceberem que este não é um candidato qualquer. Não estamos perante um tecnocrata cinzento nem um agitador improvisado. João Manuel Vieira é, acima de tudo, um criador: de música, de espaços culturais, de personagens, de ideias e, quando necessário, de polémicas. Participou na construção de espectáculos performativos, criou intervenções satíricas que ainda hoje circulam pelos subterrâneos culturais, escreveu letras que misturam humor e crítica social, e foi uma das figuras mais marcantes da boémia artística portuguesa das últimas décadas. É alguém que percebe que a política é, em grande parte, um palco de teatro e que, já que estamos todos sentados na plateia, mais vale haver graça, coragem e alguma honestidade na narrativa.

Por tudo isto, e muito mais que não cabe numa só garrafa, digo aqui com orgulho: se o vinho for canalizado, o meu voto é dele. E prometo solenemente fazer um brinde em sua honra, mesmo que depois tenha de explicar à minha mulher que estava apenas a celebrar o meu civismo em vez tomar os comprimidos com água. Porque, no fim do dia, a vida pode não ser compatível com cabarés, mas continua muito compatível com vinho. E, convenhamos, já não se pode pedir muito mais a um país como o nosso.


Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

50 anos de complexo de inferioridade

  


Cinquenta anos de independência, 3,8 mil milhões de dólares desaparecidos no BES/BESA Angola, e todas as infra-estruturas deixadas para trás. Ainda assim, o Presidente angolano tem a ousadia, passados 59 anos, de vir falar do colonialismo português.

No discurso, o homem dirigiu duras críticas ao passado colonial de Portugal em Angola, afirmando que o país fora oprimido e escravizado durante séculos.

Sustentou que Angola não esquece os séculos de humilhação e exploração sob domínio português.

Num tom ainda mais incisivo, classificou historicamente os portugueses como exploradores e escravagistas, segundo relatos da própria imprensa angolana.

Ao mesmo tempo, celebrou os cinquenta anos de independência como um percurso de superação, afirmando que Angola se ergueu das cinzas da opressão e construiu a sua liberdade com sangue.

Ó Sr. Presidente Lourenço, então como é?

Cinquenta anos de independência e nada fez, salvo permitir que os da sua laia enchessem os bolsos, enquanto o Banco Espírito Santo Angola acumulava uma carteira de crédito malparado na ordem dos 5,7 mil milhões de dólares.

De acordo com um relatório parlamentar português, a exposição do Banco Espírito Santo ao BESA ascendia a 3.880 milhões de euros em 30 de Junho de 2014.

Sabe o que fizeram ao dinheiro? Não sabe?

Sr. Presidente, deixe os complexos de inferioridade e cuide dos cidadãos. Afinal, já passaram cinquenta anos. Veja a fotografia.


Adérito Barbosa, in olhosemlente.blogspot.com

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Otário certificado

 




Eu sou um verdadeiro totó entre milhões de otários portugueses que esta noite assistiu ao primeiro debate entre o presidenciável André e António Seguro. O debate foi igual aos milhares que já vi desde os tempos do PREC, quando ainda achávamos que o país ia endireitar-se por força da vontade popular.

O André não disse nada. Aliás, disse tanto nada que quase me convenceu de que o vazio é uma proposta política séria. Não ouviu nada, não respondeu a nada, não explicou porque razão desistiu de varrer Portugal como primeiro-ministro para agora nos prometer que vai pôr Portugal na ordem como presidente. Fiquei baralhado. Em Portugal, quem gere a política é o primeiro-ministro e não o presidente — mas pronto, talvez eu seja demasiado quadrado para perceber estas novas estratégias de governação. 

Então, porquê estou a escrever esta lenga-lenga? Porque depois do debate dei comigo a ouvir os comentadeiros do costume, os mesmos oleosos que aparecem em todos os canais como praga de caracóis e caramujos no meu quintal  a explicar-me como é que eu deveria ter visto o debate. Não basta assistir; é preciso ser reeducado. Fui informado que o André esteve seguro e  que o Seguro esteve contido.

E foi aí que me senti um totó, um verdadeiro otário certificado pelo Sistema Nacional de Interpretação Televisiva. Passo meia hora a ver dois homens um a falar de assunto da república e no fim, chegam os iluminados de microfone na lapela a explicar-me que afinal não percebi nada. Eu, que até já devia ter crédito de horas acumuladas por consumo abusivo de debates, afinal continuo a ser um ignorante com carteira profissional de eleitor enganado.

Enquanto ouvia os comentadeiros, percebi que o país vive numa espécie de teatro prolongado onde todos fingem compreender o enredo, menos eu. E eu, como bom totó, continuo a aparecer religiosamente em frente à televisão e é isso que me irrita: o facto de eu continuar a cair na armadilha. Continuar a acreditar que desta é que é, que alguém vai finalmente falar claro, assumir responsabilidades, dizer para que serve o cargo que ambiciona. Mas não. A política portuguesa é como aqueles velhos televisores com válvulas cansadas: fazem barulho, aquecem muito, mas a imagem é sempre uma porcaria.

Talvez seja esse o meu destino enquanto contribuinte e espectador desta comédia nacional.

Conheço o Tozé há cerca de 40 anos. Por isso ele conta com o meu voto.


Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Três dias, um apagão e setenta euros

 



A Europa passou anos a martelar o juízo ao povo sobre as virtudes do dinheiro de plástico: use o cartão, é mais prático; pague por aproximação, é moderno; evite o dinheiro vivo!

Com essa treta converseta — os bancos encheram-se de comissões e as autoridades fizeram o resto com as célebres buscas judiciais. Encontrar dinheiro vivo tornou-se um escândalo mediático. Bastava meia dúzia de notas no fundo de uma gaveta para o comentador de serviço Luís Rosa anunciar, em directo, o novo paradigma da corrupção doméstica. O dinheiro comigo honestamente ganho, passou a ser suspeito.

Eis senão quando as mentes gloriosas de Bruxelas, decidiram impor a norma da pureza financeira: proibido pagar em dinheiro acima de três mil euros.

A liberdade do cidadão passou a caber num envelope de tamanho médio. Tudo o que ultrapassasse esse limite era automaticamente pecado fiscal, heresia monetária, sintoma de desvio moral.

Mas o destino tem um sentido de humor do catano.

Deu-lhes agora para anunciar os efeitos dos apagões.

E o Banco de Portugal, num rasgo de lucidez, veio recomendar que as pessoas tivessem algum dinheiro em casa para acautelar eventuais interrupções de energia. É a ironia institucional no seu esplendor: depois de criminalizarem o dinheiro vivo, voltam a aconselhar o seu uso — mas com moderação, claro, não vá o povo entusiasmar-se.

E eis a pérola: setenta euros. Setenta euros.

Segundo a autoridade monetária, é o montante ideal para sobreviver três dias de apagão.

Três dias e setenta euros — uma matemática de cordel, só ao alcance de quem nunca entrou num supermercado.

Parece uma experiência social: cortar a luz, desligar os sistemas e ver quanto tempo o povo aguenta com o bolso regulamentado.

Depois de nos dizerem o que comer, o que fumar, o que pensar, o que dizer e como F@der, chegou o momento inevitável: dizem-nos quanto dinheiro podemos ter e quanto tempo ele deve durar.

No fundo, é o Estado a dar-nos a liberdade de escolher como gastar os nossos setenta euros — até ao apagão seguinte.


Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

domingo, 9 de novembro de 2025

Feira do Cavalo 2025



 A convite do José Dias, fui a correr. Golegã fervilhava e estava no auge, está a decorrer a Feira do Cavalo.

Segundo a anfitriã, a vila cresceu e prosperou com o trabalho agrícola e o comércio. Mais tarde, no século XVIII, a tradição equestre ganhou força com as feiras dedicadas a São Martinho, onde os criadores de cavalos exibiam os seus melhores animais. Essas feiras evoluíram até se tornarem na actual Feira Nacional do Cavalo, evento de prestígio que celebra o majestoso cavalo lusitano e mantém viva a essência rural e cultural da região.

Foi neste cenário de história e tradição que decorreu o almoço. O Martins também lá esteve; veio de Gaia e contou histórias que fariam o mais céptico desmanchar-se a rir.

A Golegã, com a sua paisagem marcada pela lezíria e pela serenidade do Tejo, ofereceu o cenário ideal para um dia inesquecível e proporcionou-me uma passagem pela exposição digital na Casa da Música José Dias

Foi um dia memorável, já guardado na memória. 

Para memória futura registei.

Obrigado malta.

Adérito Barbosa, in olhosemlente.blogspot.com

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O Conluio dos Fariseus

 


Monte Negro, antes de ser primeiro-ministro, vivia no parque de diversões da oposição. Ali, debaixo dos holofotes, fazia-se ouvir como um profeta indignado com cada parturiente que paria num banco de ambulância ou num corredor de hospital. A cada tragédia, lá vinha ele, com ar grave e voz de trovão, anunciar a catástrofe nacional. O homem sofria, ou fingia sofrer, com uma intensidade que faria corar qualquer cão de loiça. O país, dizia ele, não podia continuar assim — tínhamos de mudar, tínhamos de reformar, tínhamos de refundar o SNS, ou coisa que o valha.

Ao lado, o noviço André, apóstolo das juras de ocasião, fazia de relé. Repetia as palavras do ex-colega com zelo. Quando um gritava vergonha, o outro berrava escândalo, bandalheira. O povo, entorpecido pela ladainha, foi acreditando que o pântano ia secar, que a lama seria varrida, que a justiça chegaria um dia.

Entretanto, Marcelo, o criador de factos, o eterno encenador do improviso, o pior presidente de todos os presidentes, não descansou enquanto não empurrou Costa para as luzes de Bruxelas. Foi uma encenação perfeita. Lá se aparamentou o eleito no altar europeu, com a bênção presidencial. Marta Temido, essa sacerdotisa da saúde mediática, aproveitou a deixa: a morte de uma parturiente deu-lhe asas, e lá foi ela também para a Europa lavar a alma. Levou consigo o puto-maravilha, o seu Sebastião Bugalho, que também subiu para a carroça e arrumou bagagem rumo a Bruxelas.

Foram-se embora todos. Deixaram o altar por purificar. Ficou Monte Negro com o incensário nas mãos, cheiro a incenso e fumo no ar — o país à espera de milagre. E o milagre nunca veio.

Agora morrem parturientes e bebés recém-nascidos todos os dias. As ambulâncias continuam a servir de berçário de emergência. A ministra da Saúde, outrora ministra-sombra, é agora sombra de si própria. Fala muito, age pouco, e quando age é sempre tarde demais. Miguel Guimarães, que fazia política como bastonário dos médicos e hoje é deputado das promessas, jurou revolução na saúde e garantia que o hospital do Oeste seria prioridade nacional assim que fosse eleito. Hoje é deputado, e do hospital do Oeste nem uma palavra.

Tudo mentira. Assim nasceu o Clube dos Mentirosos — uma confraria de fariseus unidos pela vocação de mentir com convicção e pela arte de jurar o contrário do que disseram ontem.

O André já não quer saber dos ciganos, nem dos refugiados, nem das mulheres que morrem nas urgências. Nem das facadas diárias nos bairros, nem do polícia que está a ser julgado por pressão daquela maltinha do socialismo europeu. Agora o André quer ser presidente do sistema. Já não quer varrer Portugal.

O povo continua fiel ao ritual. O país funciona assim há séculos, e o povo gosta assim.

Monte Negro, o outrora justiceiro da oposição, é agora um funcionário da normalidade. A cada novo escândalo, surge um inquérito; a cada nova morte, uma comissão. O sistema político português é uma paróquia de fariseus. Fingem-se piedosos, distribuem bênçãos, beijam nas feiras e chamam a isso proximidade.

O Conluio dos Fariseus não é teoria — é o retrato do poder em Portugal. Um país que vive em estado de penitência permanente, guiado por apóstolos de plástico. De cada vez que um cai, outro se levanta, com igual cinismo e o mesmo sorriso.

E no fim, como sempre, o silêncio volta. Ninguém responde, ninguém renuncia, ninguém tem culpa. As mães estrangeiras continuam a vir cá parir, continua a morrer gente sem atendimento capaz, os hospitais continuam por construir, as facadas multiplicam-se, a CNN mantém a sua porca transmissão, a SIC está falida, o Benfica, o Sporting, o Porto e os outros clubes de futebol estão falidos mas felizes. Fiz as contas: cada sócio de qualquer um desses chamados grandes deve, em média, dois mil euros, e ninguém se chateia.

E assim seguimos, com Monte Negro no púlpito, André a vigiar o rebanho e Marcelo a benzer a procissão.

O Conluio dos Fariseus está completo. E nós, pobres crentes, continuamos a pôr o voto na urna como quem deposita esmola numa igreja em ruínas, convencidos de que, desta vez, talvez o milagre aconteça.


Adérito Barbosa, in olhosemlente.blogspot.com

Publicação em destaque

Florbela Espanca, Correspondência (1916)

"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinter...