Achei que as filas nas caixas tradicionais estavam longas e, como bom patego que sou, acreditei na narrativa: - vai ser mais rápido, é mais prático. Lá fomos nós, pategos duma figa, mergulhar de cabeça na armadilha. O que não percebi de imediato é que me estava a transformar num empregado – e sem receber cheta por isso. Acabei de entrar numa nova profissão: - o caixa automático humano não remunerado.
Agora sou máquina! Lido com a máquina, a máquina lida com as minhas compras, e mais: eu obedeço à máquina. E que máquina! Apita a toda a hora, porque o apito, como sabemos, serve para avisar que fiz merda. Exactamente como o apito da polícia quando quero enfiar o carro numa rua de sentido proibido, do árbitro quando dou uma canelada ao adversário ou a sirene de uma ambulância quando estou a empatar a sua passagem – o apito sempre ali para nos recordar que somos incompetentes. A humilhação é quase garantida. Não há nada como não conseguir passar o código do bolo enquanto a fila atrás de nós cresce e as pessoas começam a bufar impacientes. É inevitável pensar: - Foda-se, esse gajo é mesmo um banana, nunca mais se despacha!
E o mais giro disto tudo, convenceram-nos de que as auto-caixas são uma vantagem! É mais rápido, dizem. Pois sim. O que não nos dizem é que cada máquina instalada representa pelo menos 2,5 empregos que se foram. Agora, além de consumidores, somos também trabalhadores. Passamos os produtos, ensacamos as compras e, no final, ainda agradecemos a oportunidade de fazer o trabalho por eles.
É como se tivéssemos sido promovidos a otários – sem ordenado, sem contrato, sem direitos. Somos os novos funcionários-fantasmas das grandes superfícies. E enquanto estamos ali, a desempenhar tarefas que antes eram de alguém, as empresas poupam em salários, pagam menos contribuições e aumentam os lucros. E nós? Apitados e sorridentes, saímos com carrinhos cheios de compras inúteis e promoções irresistíveis. É assim a vida do patego ao serviço do progresso.
Mas o problema não é só o trabalho gratuito que fazemos. É o que perdemos no processo. Lembram-se de quando as compras eram também uma troca de palavras? O bom dia genuíno do senhor ou da senhora da caixa? O sorriso meio cansado, mas sempre simpático, daquele funcionário que já sabia que precisávamos de sacos? Tudo isso desapareceu.
Agora, somos recebidos por um robô. E o robô não tem sorriso. Diz-nos, de forma automática e fria: - Por favor, insira o código do artigo. Coloque o artigo na balança. Retire o artigo. Faça isto. Faça aquilo. Aguarde. Em processamento… uma ladainha tecnológica que nos empurra cada vez mais para o vazio.
O mais preocupante é que ninguém parece perceber a manipulação. Primeiro, reduzem o número de caixas tradicionais, criam filas intermináveis, e depois apresentam as auto-caixas como uma solução milagrosa. E nós, cordeiros obedientes, aceitamos. Ensinam-nos, passo a passo, a trabalhar para eles. Se erramos? Não faz mal. Aparece um funcionário, meio envergonhado, para corrigir. Afinal, o cliente-patego precisa de ser treinado para assumir plenamente o seu novo papel.
Enquanto isso, queixamo-nos da falta de empregos, dos jovens sem oportunidades, das lojas de bairro que fecharam. Mas ninguém liga os pontos. Porque as grandes superfícies já perceberam que os pategos não se importam. Dão-lhes descontos no cartão, um talão interminável de promoções e pronto, está tudo perdoado. O resto? Que se dane.
E não pensem que a coisa vai parar aqui. As auto-caixas são apenas o começo. Não tarda, somos nós que descarregamos os camiões, limpamos os corredores e reabastecemos as prateleiras. Tudo com um sorriso, claro, porque é mais prático.
No final, o que estas auto-caixas nos roubam não é só tempo ou paciência. Roubam-nos dignidade. Fazem-nos aceitar passivamente um sistema que transforma consumidores em empregados não remunerados.
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com
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