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domingo, 18 de janeiro de 2015

Sou contra assassinos

Caro Adérito, penso que segues a escrita de opinião do excelso Coronel Matos Gomes, trabalhei com ele no EME no programa dos NH-90. "helicópteros para o Exercito".
Todos nós temos referencias, eu revejo-me em 90% da sua opinião e como gostava de saber-me exprimir como ele. É um SENHOR! Abraço

Joaquim Moreira


Carlos Matos Gomes  Sou contra assassinos


Sou contra assassinos. Quando oiço muçulmanos dizerem que não são Charlie porque eles ofenderam o profeta e cristãos, quando oiço pessoas sensíveis e bem comportadas e até bem intencionadas, dizerem: não sou Charlie porque não se pode ofender impunemente as convicções religiosas e os sentimentos dos outros, percebo que estou noutra onda e que, a prazo, corro riscos de morte, como os dos jornalistas do Charlie Hebdo. Para mim o assassínio dos jornalistas do CH e dos clientes do supermercado não é relativo. Não é negociável. Para mim não há convicções religiosas que justifiquem o assassínio. Se o assassínio é fruto de convicções religiosas, eu sou contras as convicções religiosas. Mas à minha volta já muitos se renderam.
Se essas pessoas não são Charlie por essas razões, é porque entendem que é razoável e defensável que um homem, ou uma mulher não só sejam seguidores e seguidoras de um deus (um Deus, meu Deus! – uma entidade criadora do universo, adorado por ser bom e justo, por considerar todos os homens e mulheres como seus filhos) que aceita que seus fiéis (e logo os mais zelosos!), assassinem outros homens e mulheres precisamente por fazerem uso do dom do livre arbítrio com que esse Deus dotou os seus filhos, deixando-os livres para pensarem mal, para pecarem, para renegarem quem os animou! Isto é, essa gente para quem o assassínio em nome de Deus é justificável, admite o que num tribunal ordinário de homens normais seria considerado autoria moral de um crime hediondo!
Isto é normal? E justificável? Existe um Deus assim como este dos assassinos, patrocinador e protector de assassinos? Existe um Deus autor moral de crimes? Um Deus que tem juízes e carrascos na Terra? Um Deus que tem assassinos por sua conta, que não aceita ser ofendido por um pobre homem que lhe faz uma caricatura e exulta com uma chacina? Isto é uma crença aceitável, respeitável? É respeitável, merecedor de crédito, defender estes usos e costumes, estas crenças?
Dir-me-ão que o Deus dos israelitas não é melhor do que este dos islamitas assassinos. Que o Netanyahou não é melhor que estes dois irmãos? É verdade. E o mesmo quanto aos deus dos cristãos. Se aceitarmos que estes são os homens de mão dos deuses, os deuses são todos iguais e eu tenho de lutar contra eles, todos eles, com as minhas armas. Os jornalistas lutaram contra estes deuses de assassinos com as armas da caricatura. Eu estou com eles. Sou Charlie Hebdo, como já fui palestiniano em Gaza, ou cristão na Siria e ateu porque não admito que alguém da minha espécie acredite num monstro a que chama deus e que entenda ser normal ou aceitável que o nome de um qualquer deus as práticas da sua adoração surjam associadas a acções que implicam o assassinato de quem não acredita nele e não o leva a sério.
Não, os fiéis de qualquer deus, profeta, santo ou sócio que assassinam não merecem nenhum respeito, nem nenhuma complacência, nem as suas exóticas crenças podem servir de atenuante. Trata-se de doidos perigosos. Ou de assassinos com um alibi. Não estamos no mundo do sagrado. Estamos no da bestialidade.
Ir à raiz do mal que matou em Paris, como matou e mata em Gaza, na Siria, no Iraque, ou na Nigéria é, em primeiro lugar, enfrentar a irracionalidade da fé em qualquer Deus. Da fé neste deus e neste profeta e na fé noutros deuses e noutros profetas.
É contra a irracionalidade da fé religiosa a luta que tem de ser travada em nome da humanidade. É dessa luta que todos temos medo. Disfarçamos o nosso medo de enfrentar as forças da irracionalidade admitindo que respeitamos as crenças de cada um, como se a religião não matasse e fosse uma mera opção por uma bebida, por um dia de descanso, por umas salmodias, por umas leituras, pelo comprimento das saias da mulher e da barba dos homens.
A raiz do mal está no totalitarismo inerente à crença num deus, numa entidade em que temos de acreditar para sermos salvos de um pecado, de um destino que não sabemos qual é, de uma entidade protectora que não escolhemos para nos proteger e que ninguém no seu perfeito juízo consegue dizer quem é.
Enquanto existir um homem ou uma mulher que acredite que tem de adorar um deus para se salvar e que tem de praticar atos criminosos para o aliciar, defendendo-o à rajada das ofensas que os infiéis e os hereges lhe possam fazer, teremos um assassino em potência como estes de Paris, que passaram da irracionalidade da fé à realidade do crime.

Adérito Barbosa  in olhosemente

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