A
escolha revelou-se acertada. Além de ela ter aderido à ideia logo à primeira,
também se revelou uma extraordinária companheira de viagem. Casas antigas, o
gótico, os estilos Manuelino e Barroco, os vitrais e os frescos, as Igrejas, e
os monumentos que são as suas paixões. Queijos, enchidos, vinhos verde tinto e
branco faziam parte do meu programa. Deixar-me levar na corrente, embriagar-me
com o cheiro da floresta e cegar-me com a luz que se vislumbra por entre os ramos.
Sonhar com a queda das leves folhas outonais que cobrem as encostas, como um
manto pintalgado de amarelo, enchia o meu imaginário.
O
poiso escolhido, por força da oferta pela ocasião do meu aniversário, em forma
de “voucher”, foi a Quinta do Lago em Parada do Bouro, um aldeamento de turismo
rural incrustado no peito maciço da Serra do Gerês cujo cume faz fronteira com
a Galiza. Locais únicos como Bouro; Santuário Nossa Senhora da Abadia, Pousada
Santa Maria do Bouro, extraordinário convento transformado em hotel; Albufeira
da Caniçada; Pedra Bela; Ermida e Vilarinho das Furnas foram destinos
obrigatórios.
Vilarinho
das Furnas era uma aldeia antiga, com cerca de 2000 anos, que desapareceu
quando Salazar mandou construir a Barragem de Vilarinho. Em consequência disso,
a aldeia ficou submersa e a população foi forçada a sair de lá. No tribunal, 40
anos depois, os antigos habitantes ganharam a contenda ao estado e foi-lhes devolvida
parte do terreno que circunda a barragem. Quem quiser ver a aldeia submersa,
paga 3 euros se for de carro e 1 euro se for a pé. Salazar pode dormir
descansado que tem nos antigos habitantes de Vilarinho das Furnas, agora organizados
em associação, uns inimigos para o inverno e dos bons! Se eu fosse Salazar
deixar-me-ia ficar enterrado e quietinho, porque assim que ele se levantar da
sepultura, os antigos habitantes de Vilarinho vão fazer dele um caldo. Para
eles, Salazar: é um “filho da puta, um cabrão de merda que nos fodeu a
vida" diz o portageiro, enquanto explica os anseios da associação a que
orgulhosamente pertence.
Rio Caldo e a sua praia fluvial convidam amistosamente que mergulhe nas suas águas todo e qualquer turista. O majestoso Parque Nacional tem portagem e tudo. Só não tem via verde. Do Gerês, seguindo para nordeste, fomos assomar a Montalegre, terra do presunto, que é servido em fatias grossas juntamente com queijo de cabra meio curado que, acompanhados com um branco fresquinho, cai sempre bem. Foi no restaurante rústico “Tasca do Açougue”, que ladeia o imponente castelo e o turismo, no centro histórico, que provámos estas iguarias.
Saciado
o desejo do presunto, chegou a vez de conhecer a minha nova tia Cecília mais
conhecida por Cila e que também é madrinha da minha namorada. Dela trago a garantia
que em Montalegre, num ano há 6 meses de inverno, 3 de verão e 3 de inferno. Dois
copos de água bebi ali, sentado no jardim, enquanto a tia Cila desconfiada
metia conversa comigo e me olhava obstinadamente, tentando descobrir algum
defeito em mim.
Dali
a Chaves, que fica ainda a 70 km, foi um saltinho e sem nos perdermos. A
tia, toda esmerada, explicara o caminho, direitinho qual Gps. Chegados,
fomos ver a casa onde a minha companheira viveu em criança e o defunto Colégio
Pica Pau Amarelo, outrora o resplandecente colégio dos meninos bem, mas que
hoje está transformado em residência particular.
Para
Alfândega da Fé foi um sobe e desce, ao estilo montanha russa, enquanto o sol
se preparava para ir dormir. Foram tantos os altos e os baixos que até nos
perdemos. Depois de contornar as rotundas de Alfândega, fomos parar ao jardim
central. Lá estavam sentados à sombra cinco velhas glórias, na casa dos setentas
e tais anos, bem cozidas pelo frio dos invernos e assadas pelos meses do
inferno, dizia eu, lá estavam sentadas à
sombra cinco velhas glórias, acompanhadas por um galo, também ele uma glória
daquelas bandas, também ele com a pele assada pelo tempo, mas mais velho e
cheio de sabedoria. Tomou a dianteira e não deixou as moças responderem às
minhas perguntas. Explicou... explicou mais o percurso que eu não devia tomar
do que aquele que devia seguir. Esmerou-se para nos ajudar a atinar com o
caminho para Cerejais. Mais vaidoso ficou ainda o velhote, olhando pelo canto
do olho para as velhas meninas, quando lhe disse que percebera bem as suas sábias
orientações. Depois do coro de “boa viagem” entoado pelas velhotas que o velho
não conseguiu calar, demos meia volta e lá fomos ao nosso destino.
Cerejais
é a terra do meu amigo Teixeira e foi onde pernoitámos.
Com o santuário de
Cerejais a olhar para nós, entrámos na casa do Teixeira. Da visita ao santuário,
convenci-me do quão crentes são os transmontanos, tudo bem explicado
comoventemente pelo Teixeira. Banho, jantar e almoço ali, foi um regalo. A D.
Margarida, esposa do Teixeira, mostrou como sabem receber as visitas, os
transmontanos.
Esta
Régua não mede mas promove emoções fortes no Hotel River Douro, situado na
margem sul do rio, mesmo em frente à cidade. O hotel foi construído com uma
característica ímpar. É um edifício moderno que se estende para baixo em vez de
ser para cima. Subir para a terra onde estudou o criador d’ O Malhadinhas foi um fósforo. 10 minutos é o tempo para se chegar a Lamego,
terra onde se venera Nossa Senhora dos Remédios. Tem umas escadarias para a
igreja que nunca mais acabam. Doeram-me as pernas só de olhar para elas. Como
havia muita gente a cumprir promessas, achei por bem deixá-los subir em paz. Contornei
o monte de carro e cheguei lá acima sem esforço nenhum. A vista é
impressionante.
O romantismo da Régua ficou para trás e seguimos em direção ao Porto. Serpenteámos
vales, subimos serra acima, por engano, em vez de termos ido junto ao rio e
fomos parar a Penafiel.
Aqui,
enquanto recebia orientação de como seguir para Entre-os-Rios, uma carrinha
toda apressada que cheirava a emigrantes buzinou e uma loira, gorduchona, com a cara vermelha, irritada, sentada no
lugar do pendura como se fosse a rainha
do sindicato ou a filha do presidente
das Estradas de Portugal gritou para mim: "não há pisca, ó
lavrador???" Fiquei a saber que os lavradores não fazem pisca. Deve ser
por o trator agrário não ter piscas. Descemos então para Entre-os-Rios com
passagem obrigatório por Marco de Canavezes. Por estradas serranas fomos para
Arouca, seguindo-se Oliveira de Azeméis em direção a Mealhada.
A
mensagem que quero deixar é a seguinte: com pouco dinheiro foi possível viajar
7 dias pelo norte de Portugal, ver paisagens maravilhosas, visitar excelente
locais, com uma gastronomia única. Muita gente gira tem este país! Quem já explorou
Portugal sabe do que falo. País pequenino este, mas bonito!
Adérito Barbosa in "olhosemlente"
31 de Agosto de 2013
Adérito Barbosa in "olhosemlente"
31 de Agosto de 2013