É difícil compreender os políticos de Cabo Verde. Tiveram, em determinado momento da história, a oportunidade de escolher um caminho racional e benéfico para o país: a autonomia dentro da República Portuguesa, à semelhança da Madeira e dos Açores. Com isso, teriam mantido os benefícios de uma ligação histórica e cultural profunda com Portugal, assegurado desenvolvimento sustentado e preservado a centralidade da língua portuguesa na educação e na vida pública. Mas não. Em vez disso, escolheram o populismo ideológico e optaram por uma ligação artificial com a Guiné, em nome de uma africanidade de palanque que, até hoje, não gerou outra coisa senão atraso. Livraram-se de Portugal formalmente, mas continuam a depender dele em praticamente tudo: educação, saúde, comércio, migrações, telecomunicações, segurança. E isso não é autonomia — é apenas pobreza orgulhosa.
É como aquele pobre que recusa o prato de batata e repolho, dizendo que só come lagosta. Fica com fome, mas mantém o ar de superioridade. E, assim, o país que poderia estar ombro a ombro com regiões ultraperiféricas da Europa, vive hoje num limbo identitário e linguístico — fingindo ser o que não é, enquanto despreza aquilo que verdadeiramente é.
No meio desse delírio nacionalista deslocado, aparece mais uma peça do teatro da decadência: a introdução do crioulo nas escolas, sob o disfarce de resgate cultural. José Maria Neves, no papel de intelectual iluminado, tem liderado essa ofensiva. Aos poucos, sorrateiramente, começa a infiltrar o crioulo no sistema educativo, alinhado com os notáveis de Santa Catarina e com uma certa elite académica de poleiro.
E o que faz o MpD? Em vez de resistir, adere. O governo de Ulisses Correia e Silva, que tanto falou em reformas, mérito e modernização, acabou por aprovar a introdução experimental do crioulo nas escolas. A mesma cartilha, o mesmo populismo linguístico disfarçado de justiça social. É o nivelamento por baixo institucionalizado. José Maria Neves, Ulisses, deputados — são todos iguais. Com discursos diferentes, mas resultados idênticos: o abandono da excelência em nome da mediocridade generalizada.
Para aumentar Hipocrisia presidencial e intelectuais de papelão o ruído, agora veio do ex-presidente Jorge Carlos Fonseca a aparecer na imprensa (entrevista recentemente publicada), dizendo que os cabo-verdianos “maltratam a língua portuguesa”. Inacreditável. O mesmo Jorge Carlos Fonseca que passou anos no poder, calado, omisso, sem uma única iniciativa relevante para proteger ou promover a língua portuguesa em Cabo Verde. Agora, que está fora do cargo, resolve fazer discursos moralistas — como se não tivesse responsabilidade nenhuma no estado atual das coisas. Mais surpreendente ainda foi ouvir Germano Almeida — respeitado autor, vencedor do Prémio Camões — dizer que os cabo-verdianos precisam aprender português ”melhor que os portugueses”. A frase, de início, parece sensata. Afinal, é verdade: dominar o português com profundidade é crucial. Mas quando empacotada com ares de superioridade, acaba por soar arrogante e deslocada. Como se a nossa missão fosse uma espécie de revanche cultural. Germano, com todo o respeito: não há competição aqui. Há sobrevivência. Há pragmatismo. E há necessidade. Julgo que concordas comigo.
A petralhada linguística que o Neves sustenta, representa o que há de mais perigoso para o futuro de Cabo Verde: um nacionalismo barato, baseado em ressentimento, que recusa tudo o que vem de fora — mesmo quando nos é útil. Essa esquerda deslumbrada, carregada de chavões pós-coloniais, quer construir uma identidade nacional sobre ruínas e mitos. E para isso, despreza a língua portuguesa — o único elo real com o mundo académico, diplomático, económico e cultural.
Querem impor o crioulo como língua de ensino, mas não têm gramática consensual, ortografia funcional, nem sequer professores capacitados para isso. É um projeto de vaidade. Um luxo caro que só servirá para criar uma geração ainda mais isolada, ainda mais limitada, burra e mais presa ao gueto linguístico. É uma agenda ideológica, e não pedagógica. É uma fraude com perfume de cultura zero.
Promover o crioulo como língua de ensino é, além de tudo, uma mentira com roupa de inclusão. Os defensores desta medida gostam de dizer que “ensinar em crioulo facilita o aprendizado”, “resgata a identidade” e “aproxima a escola da realidade do aluno”. Tudo conversa fiada. A realidade é que nenhum país do mundo se desenvolveu com base numa língua que não tenha expressão científica, diplomática ou económica global. Nenhum. E não será Cabo Verde a exceção.
O crioulo é, sim, uma parte fundamental da identidade cabo-verdiana. É língua materna, é cultura, é música, é oralidade rica e viva. Não é uma língua preparada para ser veículo de ensino científico em larga escala. E pior: a tentativa de padronizar o crioulo acaba por criar uma artificialidade forçada, afastando-o da realidade local. O crioulo de Santiago não é o de São Vicente, que não é o de Santo Antão. E, ainda assim, querem enfiar um crioulo "unificado" nas escolas como se fosse natural, como se fosse espontâneo.
É isso que chamam de progresso? Isso é engenharia social mal disfarçada. É ideologia linguística em estado bruto. É o tipo de disparate que destrói um sistema educativo em nome de bandeiras políticas.
A defesa da língua portuguesa em Cabo Verde não é uma defesa colonial, nem uma traição identitária — é uma escolha pragmática, racional e urgente. O português é a língua oficial do país, é a língua das leis, dos tribunais, da diplomacia, da ciência, da literatura, do ensino universitário. É também uma das línguas mais faladas do mundo, com mais de 260 milhões de falantes. É língua oficial em organizações internacionais como a ONU, a CPLP, a União Africana, e outras instituições de impacto global.
Negar o português é negar o acesso do jovem cabo-verdiano ao mundo. É condená-lo ao isolamento, à limitação, ao mercado interno estreito e sem poder de competição. Um jovem que fala e escreve português com excelência pode trabalhar em Lisboa, Luanda, Maputo, Brasília, e até mesmo em empresas internacionais em África, na Europa ou na América Latina. Um jovem que sabe apenas o crioulo — ainda que o fale com perfeição — está preso à ilha, ao bairro, à parede da escola que o enganou.
Portanto, ensinar português com rigor, exigência e profundidade é uma questão de soberania educativa. É a única forma de garantir que os filhos dos pobres tenham as mesmas oportunidades que os filhos da elite que estuda no estrangeiro. Essa conversa mole de “valorizar o crioulo” é usada por muitos políticos que metem os próprios filhos em escolas internacionais. Hipocrisia pura. Querem que o povo fique no crioulo, enquanto os deles aprendem inglês, francês e português com gramática britânica. Tenham vergonha.
O que está em jogo nesta discussão não é apenas uma escolha linguística — é o futuro de uma nação. É a direção que Cabo Verde quer tomar: ou abraça a excelência, a exigência e o rigor, ou afunda no populismo linguístico que cultiva a mediocridade como se fosse um valor.
Se se quiser um país competitivo, com uma juventude capaz de disputar espaço em universidades, empresas e organismos internacionais, temos de garantir uma educação centrada numa língua forte, estruturada e global. Isso não significa negar o crioulo — significa saber colocá-lo no lugar que ele deve ocupar: como língua complementar, cultural, afetiva. Não como língua principal de ensino.
Ao empurrar o crioulo para o centro do sistema educativo, estamos a condenar as novas gerações a uma escolarização deficiente, incapaz de dialogar com os grandes debates do mundo. E isso é imperdoável.
O mais grave é que tudo isso está a ser feito com a conivência de todos os partidos, todos os presidentes, todos os intelectuais. Poucos têm coragem de ir contra a maré, de dizer o óbvio: a introdução do crioulo nas escolas como língua de ensino é um erro monumental. Uma irresponsabilidade histórica. Uma traição silenciosa aos filhos dos pobres.
É tempo de levantar a voz contra essa trapaça. É tempo de exigir uma política linguística séria, consequente, realista. Cabo Verde não pode dar-se ao luxo de brincar com o idioma. O país é pequeno, os recursos são poucos, e as oportunidades são limitadas. O português é a nossa maior ferramenta de emancipação — intelectual, económica e política.
Quem despreza isso em nome de modismos ideológicos está, na verdade, a empurrar o povo para a escuridão. E contra isso, não basta indignar-se. É preciso lutar.
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com