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sábado, 18 de janeiro de 2014

A escola, o aluno, o kiosk e eu


Trabalho com escolas portuguesas há cerca de 12 anos.
Presumo que conheço bastante bem os meandros escolares.

Tenho um relacionamento pessoal com muitos dos seus diretores – «curioso» o facto de um número considerável deles serem professores de Educação Física! - Na sua maioria, são pessoas dedicadas e esforçadas; um ou outro, lá se acha um ser superior, como é o caso de um, que era meu amigo enquanto assessor na Escola Gama Barros, mas assim que se apanhou como diretor da escola, nunca mais me falou - um pedante, foi o que ele me saiu.
Os professores são uma classe complicadíssima! Todos se acham autoridade na escola! Pelo que posso testemunhar, os professores trabalham que se farta e andam sempre com o credo na boca, quer com a tutela - que está sempre a inventar -, quer com os pais, e nunca sabem o que é que vem a seguir. Vivem divididos e, assim, o governo reina melhor!...

As funcionárias estão divididas em duas classes. As funcionárias de 1ª categoria, as da secretaria, que sonharam um dia ser professoras, e as outras, as de 5ª categoria, as «contínuas», que parecem ser pessoas conformadas com a vida.
A grande maioria das funcionárias da secretaria fala com os professores de uma forma tal, que dito, ninguém acredita.

Mas, mesmo assim, encanta-me a vida escolar.
O dia a dia dos alunos é uma festa!
Gosto sobretudo das escolas que lecionam do 5º ao 9º ano.
Gosto daquela barulheira toda que fazem nos intervalos e dos alunos queixinhas; gosto de os ver jogar ao abafador; gosto daqueles que nunca sabem o código PIN do cartão; gosto especialmente daqueles que me fazem perguntas, daqueles que me dizem "o meu pai percebe bué de informática", daqueles que me dizem "qualquer dia vou furar o sistema, já ando a trabalhar nisso faz algum tempo"; gosto daqueles que me põem sempre a par das últimas novidades da pirataria informática, dos que dizem "está a ver o computador tal da sala tal? Deixou de funcionar. Foi o Zé Gomes! Correu um script para bloquear aquilo tudo". Quando oiço isto, apesar de descrente, vou a correr à sala ”tal” -  o PC afinal só tem o cabo de energia desligado!...

Hoje, vejo os alunos a utilizar os computadores no domínio como um adulto; muitas vezes, melhor que os professores. É um regalo vê-los tratar as máquinas por tu.

Ontem houve um problema com o kiosk de uma escola.
Estava eu do outro lado do kiosk a fazer a manutenção ao sistema, quando ouvi uma forte pancada no ecrã do kiosk. Dirigi-me aí de imediato, vi junto dele três alunos e considerei autor daquele ato o aluno que se encontrava mais perto.
Perguntei-lhe:
- Eh pá, que porcaria é esta?
- Eu não fiz nada! Isto não funciona! – contestou ele.
- Não funciona e dás pancadas no ecrã? Estás a brincar comigo, ou quê, pá?!... Não vês que o kiosk está em manutenção?
- Não! - contrapôs ele.
- Não me digas que não tens um computador lá em casa?! Só podes estar a brincar comigo!... Levas um estalo nessa cara, que eu te digo!... Eu estou a trabalhar. E tu deves andar a gozar e ainda por cima estás a estragar. Arma-te em parvo que tu vais ver, pá! - disse eu, como se estivesse perante uma catástrofe.
- Pois, mas você não me pode bater! Os professores não podem bater nos alunos!
- Eu não sou professor, pá! Olha que apanhas mesmo!... – insisti, fingindo grande irritação.
E o aluno, com a maior calma do mundo, ripostou:
- Se batesse em algum aluno, era logo despedido!....
- Então… e quem arranjaria o kiosk?
- Contratavam outro engenheiro! – desarmou-me o espertalhaço do rapaz.

Os três adolescentes acabaram por colaborar comigo, ficando de guarda ao kiosk.

Adérito Barbosa in "olhosemlente"

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