poeta.adérito.barbosa.escritor.autor.escritor.artigos.opinião.política.livros.musica.curiosidades.cultura Olhosemlente

domingo, 31 de maio de 2015

Espelho teu



Não queiras olhar para o espelho embaciado
Se não fizeste as pazes com o passado,
Se atrás de ti tudo-nada... foi esquecido,
Se ignoraste o ruído do mundo,
Se os teus dedos não acariciaram o fundo,
Se a tua boca ficou muda
E não se lembrou da fúria dos beijos.

Não vale a pena falar ao espelho embaciado
Se viste que estou cansado,
Se o teu corpo não cheirar a jasmim,
Se o lençol não for de cetim,
Se não te sentiste nua,
                                          Se amanhã o clarim
                                          Não acordar na alvorada do beijo

Não contes ao espelho embaciado
Que me sinto embriagado,
Que a minha língua sabe a limão,
Que sinto o suor frio nas mãos,
Que deixei de ver a tua sombra,
Que acordei com o corpo dorido
Como te sentias quando me procuravas

Não prometas ao espelho
Que te vais enrolar no meu corpo
Como uma serpente….
Que vais pintar os lábios com batom,
Que vais dançar comigo no espaço,
Que vais tremer de emoção,
Que te desenhei hoje no meu espelho…
Que continuo à procura da tua sombra,
Nas noites frias do desassossego.
Um dia olho para a minha sombra
E vejo a tua, a ler os meus poemas!
Agora entendes que te amei...

Adérito Barbosa in olhosemlente

quinta-feira, 28 de maio de 2015

O Trilho

                                         O Trilho

O caminho que trilho termina aqui.
O horizonte diz-me que o corpo
Que cintila é o teu.
Sinto saudades das fantasias.
Anseio amar...
jamais consigo fazê-lo
sem a cumplicidade da chuva.
Anda, não olhes para trás,
vem-te a mim e procura-me!
Há muito que preciso
que chegues para te poder seguir.
                                     
                                         Adérito Barbosa in olhosemlente

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Amor no meu tempo

Amor no meu tempo

Ouvi dizer que ela está à procura do céu numa bola de sabão, sentada no cimo da vaga do tempo, que traz uma bandolete no cabelo, a tal que a minha irmã lhe ofereceu a meu pedido, que veste um vestido de chita aos folhos e nas costas um laço grande feito pela avó. No pescoço, um fio de ouro com dois corações sem nome. Sei que o brilho dos olhos dela faz perder a cabeça aos rapazes aqui no bairro. Eu quero ser o primeiro e o único amor... Eu sei que, mesmo que o mundo inteiro se ilumine, não chegará para brilhar como a candura do rosto dela! Mas sei que, mesmo que chova e o céu caia, a sua voz continuará doce e a esperar por mim. Ouvi-a dizer em sussurro que não quer namorado, mas quer descobrir o amor na fria lógica dos argumentos da inocência. Ouvi-a dizer que quer ver a vida com outros olhos e não mais com os que me viu até hoje. Ouvi-a dizer que vai escrever  um bilhete para mim, mas juro que não sei de       nada!
 E a minha mãe sorriu, malandreca, quando lhe contei o segredo de quem gosto.
- Acho que todos já sabem, meu filho! Ouvi dizer que, nos jogos do ringue, nunca a mataste só para a veres ganhar e sorrir, meu filho!...
- Um dia sonhei pedir-lhe um beijo, mãe! O que achas?
- Não és capaz!!!
- Olha que sou!!!


Adérito Barbosa in olhosemlente

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Vida suspensa

Vida suspensa

Antes surdo que ouvir o adeus,
cego a ver-te dobrar a esquina
nesse escuro frio e teimoso silêncio.
Tenho que dar um jeito na dobra do vento
para sentir o perfume da tua silhueta.
Tenho que dar um jeito nisto tudo
para poder ter um sonho quente
Sentir a alma lavrada com o teu respirar,
costas arranhadas com unhas de marfim…
Dar corda ao relógio do tempo,
acordar as lezírias e os pássaros
nas manhãs de primavera num apertado abraço.
Preciso dar um jeito
aos bebedouros de água fresca nos dias de sede.
preciso dar um jeito
ajudar as aves a parir à sombra das papoilas.
Preciso dar um jeito nisto tudo
para haver sol nos dias de chuva,
ter forças suficiente para jogar às escondidas
de mim próprio… num jogo de cabra cega
entre as estrelas e correr...
Correr sem direcção,
esbarrar no teu sorriso,
dizer em voz baixa que te vi nua uma e outra vez
e apontar no chão o números dos beijos que me deste,
entregá-los ao vento para não mais os contabilizar.
Vou dar um jeito,
Vou juntar as cinzas das cartas que queimei
Escrever no peito com dedo de carvão
A palavra; amo-te.
Sabes, a tua ausência deixa-me petrificado
Na regueira húmida,
Onde adormeço sob o musgo frio.
É como se estivesse debaixo de uma cascata
De água fria que me salpica os lábios.
É como se me beijasses
Ouço a água morrente contar
ás pedras, às nuvens, à sombra, à luz, à minha mãe,
ao amor, ao verão, ao rouxinol, às flores e a mim os nossos segredos.
Enquanto não vens,
vou continuar assim surdo e cego
Agarrado apenas às memórias,
Mas, não me proíbas de fumar o meu narguilé.

Adérito Barbosa in olhosemlente

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Monangambé

Monangambé
 (António Jacinto/Rui Mingas)

Naquela roça grande
não tem chuva
é o suor do meu rosto
que rega as plantações;
Naquela roça grande
tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue
feitas seiva.

O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro,
negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!

Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:

Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer?
- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?

Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande
- ter dinheiro?
- Quem?

E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:

- "Monangambé..."

Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo
e esquecer diluído
nas minhas bebedeiras

- "Monangambé..."

António Jacinto (Poemas, 1961)

Adérito Barbosa in olhosemlente

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Se o amor

Se o amor aconteceu
Pode muito bem não voltar acontecer
Mas se acontecer novamente 
não desperdice nada
abra os olhos!  

Adérito Barbosa


Adérito Barbosa in olhosemlente

Publicação em destaque

Florbela Espanca, Correspondência (1916)

"Eu não sou como muita gente: entusiasmada até à loucura no princípio das afeições e depois, passado um mês, completamente desinter...