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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

DEPOIS CONTO COMO FOI – Parte II



Atendendo a que os seguintes factos ocorreram tal e qual como os descrevo, quero salientar que não ficcionei nada. 

- Bom dia, minha Senhora! Sou DFA. Telefonei para estes serviços, para marcar uma consulta de neurocirurgia e disseram-me que teria que vir cá pessoalmente, para falar com o chefe dos serviços, a fim de ele avaliar a minha situação clínica e mediante isso determinar se tenho prioridade no atendimento, ou se vou para a lista de espera; porém, acontece que eu só quero que ele produza um relatório para eu juntar a um requerimento que vou fazer ao CEMFA.
A senhora ouviu tudo direitinho e, muito cortês, disse:
- Sim senhor, esse assunto não é comigo, é com o meu colega que vem já. Espere um bocadinho, por favor!
Passados dez minutos, apareceu um rapaz negro, simpático, praça do Exército com uns dezanove anitos, não mais; cabelo à escovinha, quase careca dos lados, mas no cimo da cabeça um tufo de carapinha, mais parecia um ninho de cuco, um verdadeiro dread, a quem só faltavam mesmo uns brincos na orelha, que vinha trincando uma maçã; parecia-me tudo surreal. Voltei a explicar, tintim por tintim, o assunto e pediu-me para aguardar um pouco, porque o chefe dos serviços de neurocirurgia estava atrasado; sentei-me na sala de espera, sala essa super pequenina, cheia de gente, sendo a maioria senhoras na casa dos 60, qual centro de saúde da minha freguesia. Com ar descuidado e amigas do peso, falavam alto umas com as outras, indiciando que já se conheciam - parecia que estava numa feira. Pus-me a imaginar e a comparar o que era o HFA com o que é, atualmente, o HFARMADAS.
Passada cerca de meia hora, o homem do ninho de cuco, já sem a maçã na mão,  chamou-me. O médico vinha juntamente com ele e assim que me viu levantar, perguntou-me bem alto, com ar de enjoado:
- O que é que o Senhor pretende?
- Disseram-me que eu teria de vir cá falar consigo, por causa da  produção de um relatório de que necessito, para reabrir o meu processo de averiguações por acidente em serviço, de acordo com este relatório médico que trago do Hospital da Luz.
- Eu não vou atendê-lo, porque não o conheço, você não é meu paciente!
- Ó Sr. Dr. o assunto é este assim, assim…E lá tentei explicar o meu caso. A meio da explicação, ele interrompeu-me e disse novamente, com ar intimidatório:
- Já lhe disse que o Sr. não é meu paciente, não o conheço de lado nenhum, não vou produzir relatório nenhum.
Esta conversa toda deu-se na sala de espera, espaço  que antes parecia uma feira e virou santuário, só devido ao tom de voz do médico.
- Doutor, não se preocupe, vou colocar o problema ao Director do Hospital! - Disse eu, em alta voz também.
- Faça o que quiser! - Contrapôs o médico.
Tal como disse, assim fiz; fui à Direcção do Hospital, local que conheço muito bem, desde os tempos em que trabalhei na secção de justiça na BETP; eram tantos os páras com pernas partidas, que rara era a semana em que eu não ia ao hospital tratar de assuntos relacionados com os doentes páraquedistas.
Como ia dizendo, subi à Direcção. A secretária ainda é a mesma senhora; outrora uma jovem que despertava sensações bruscas em mim e na rapaziada toda, mas que os anos se encarregaram de envelhecer sem piedade. Sem a frescura de outros tempos, conserva ainda a beleza entre as rugas que teimam em lhe marcar a face  e o cabelo grisalho disfarçado com tinta.
- Olá, bom dia, como está? - Reconheceu-me logo, trocámos palavras de circunstância e disparei:                                                      
- Preciso de falar com o Director do Hospital.
- Qual é o assunto?
- Quero apresentar uma queixa contra o chefe de serviços de neurocirurgia, mas pretendo falar pessoalmente com ele – expliquei.
- Pode sentar-se - disse ela.
Sentei-me  na poltrona da recepção. Durante o tempo em que estive à espera, passei os olhos pelas revistas da especialidade de medicina e pela revista Mais Alto; entre outras revistas destacavam-se, por exemplo, algumas do exército,  mas não me aguçaram a curiosidade.
Passados vinte minutos, sensivelmente, recebi a notícia de que o Sr. Director não estava.
- E o Sr. Director Clínico está? - Perguntei.
- Vou ver! - Disse a senhora e, dali a pouco, outra notícia:
- O Sr. Dr. está em reunião.
- Eu espero - disse eu. Como nunca mais acabava a reunião, disse à secretária:
- Já que não me atendem, vou ao Estado Maior da Força Aérea apresentar uma queixa ao CEMFA, contra o chefe dos serviços de neurocirurgia.
- Espere mais dois minutos, que a reunião deve estar a terminar.
Nisto, apareceu um médico TC do exército, assessor da Direcção, que é o responsável pelos assuntos dos DFA.  O Médico TC foi de uma cortesia extrema. Tomou conta do meu caso e tratou ele mesmo de toda a papelada necessária para os serviços de neurocirurgia produzirem o meu relatório.
No fim agradeci a gentileza e a amabilidade e disse-lhe:
- Sr. Dr. agora preciso de ir falar com o Sr. Director do Hospital, ou com com o Sr. Director Clínico; pode levar-me a um deles?
O simpático TC médico quis demover-me das minhas intenções, mas não abdiquei de ser recebido pelo Director Clínico do Hospital. Apresentei a queixa e manifestei o meu desagrado pela forma pouco cortês, pouco profissional e pouco humana como o chefe  dos serviços de Neurocirurgia me havia tratado.
O Director Clínico pediu desculpas pelo mau dia que o chefe de neurocirurgia eventualmente estaria a passar, pois era uma pessoa extraordinária, gentil e humana, blá-blá-blá  e disse-me que já se tinha inteirado do contencioso com o tal chefe de Neurocirurgia; houve um mal entendido e o médico julgava que eu era civil, blábláblá. No final, concluímos que já nos conhecíamos desde a década de 80.
Dez dias depois regressei ao Hospital e dirigi-me, desta vez, ao gabinete dos serviços dos relatórios médicos. Surpresa! Os documentos que preenchi na Direcção, com a ajuda do Assessor no 1° andar, em dez dias, desceram apenas vinte lanços de escadas e estavam a chocar tranquilamente na gaveta da secretária de uma militar da Marinha, à espera que também ela acabasse de comer uma maçã e sem qualquer preocupação de arranjar tempo para enviar, com protocolo, os documentos para os serviços de Neurocirurgia.
Sabem quem é que vai fazer o relatório?
- O tal médico que não me conhece de lado nenhum!
Depois conto o resto.

Bom Natal e boas festas para todos os meus amigos
Adérito Barbosa in olhosemlente

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