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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Wall street English

Quando me atendeu o telefone disse-lhe:
- Olá Irene, podes facultar-me o número do telefone do Luís? Vou agora a Loures e preciso falar com ele.
- Good morning, how are you? Disse ela com ar de gozo.
- Que conversa é essa Irene?
- Não me digas, andas no inglês e ainda não sabes responder a uma saudação? Ouvi dizer que agora és todo English.
- Quem te falou que eu andava no Inglês?
- Foi o José Luís. Toda a gente já sabe que agora és um estudioso do Inglês.

Foi assim que tive conhecimento de que a minha vida já andava na revista cor-de-rosa.
Aconselho vivamente, a quem quiser aprender Inglês, que se matricule no Wall Street English, Carcavelos, porque, além de aprendermos a língua de Shakespeare, os alunos, também se divertem à brava uns com os outros, com a hipótese de isso vir a ser notícia como foi o meu caso.

Demorei três anos para me convencer a lá ir. Um dia, pedi que telefonassem para lá, para saber quais eram as condições necessárias para eu frequentar um curso..
Como, a seguir a isso, telefonavam todos os dias, perguntando quando iria, acabei vencido pelo cansaço e lá decidi matricular-me.

18 Julho foi o dia sorteado e, cheio de coragem, iniciei a aventura no tão desejado, mas, simultaneamente, adiado curso.
A primeira aula foi às 18h30. Em virtude de ter chegado às 18, estive meia hora à espera, sentado no sofá da sala, o que deu para tirar a pinta ao ambiente. Alunos são às carradas, gente de todas as idades, de todos os formatos, credos e feitios.

Existem  dois consultants,  um homem e uma senhora. Calhou-me ser atendido pela senhora e a partir daí ficou sendo ela a minha consultant, o que sempre é melhor do que ser ele, para tratar dos assuntos relacionados com o meu curso.
Enquanto tratava  dos pormenores do curso, consegui então nada perceber da lengalenga dela, porque passei o tempo todo a mirar-lhe os olhos. Como ia dizendo, a consultora, é uma comercial, aquilo que se pode chamar animal do convencimento, esforçada e bastante dedicada à sua função. Só ainda não percebeu que, nowadays, quando alguém vai ao Instituto, já sabe o que quer e por isso eu dispensava perfeitamente aquela seca. Porém, reconheço que não é por isso que deixa de ser uma ótima profissional e que é simpática.
É uma mulher bonita, com uns olhos que lhe enchem a cara. Qualquer homem atento fica vidrado naqueles olhos como eu fiquei, confesso!
Quase que aposto que ela sabe que os tem grandes e por isso utiliza-os bem e de que maneira!
Ela deve ver-se ao espelho todos os dias  (pudera, tem olhos para isso)! Explora bem o seu corpo com conjuntos de linho que escolhe harmoniosamente para proteger o corpo da agressividade da natureza, do frio e dos olhares dos galifões. Usa calções curtos, saias curtas, tudo curto, mas sem escandalizar. O relevo dos seus seios realça-se de tal forma na blusa que somos convidados a adivinhar o resto; não sei se é tudo obra de wonderbra, ou se estamos a falar de obra natural. Tem, no entanto, um defeito que é falar muito alto. É do tipo de mulheres espalha brasas, parecendo, contudo ser boa pessoa; quando fala com os alunos toda a sala fica a saber do assunto.
Gosto dela! Assim que paguei, desligou-se de mim completamente e lá  partiu ela em busca de um novo aluno.
Só me fala quando quer saber se vou renovar a matrícula.
Falei-lhe nessa hipótese e já me fala com mais frequência. Ela está na expectativa da minha  renovação de matrícula; se não me chatear mais com este assunto, sou capaz de renovar.
Meanwhile, fui convidado para o dinner Natalício, em que aceitei participar sem hesitar. Tudo isto aconteceu quinze dias antes. Disse que sim e, no dia seguinte, já me estava a pressionar para eu pagar. Três dias depois ligaram-me para o telemóvel para saber quando pagaria.
Achei que estavam a pressionar demasiadamente e no dia seguinte fui pagar, só para não ter que ouvir em alta voz que ainda não tinha pago o jantar.
No dia 12, dia do jantar, cheguei atrasado ao restaurante; de facto, já passava das 21 horas, mas ninguém do Instituto me recebeu. Como vi, logo ali junto à porta de entrada, um lugar vago  numa mesa, sentei-me imediatamente. Pedi um Gin e o empregado, com ar seboso, disse-me que eu tinha de pagar à parte. Disse-lhe que não queria saber nada disso e que não pagava coisa nenhuma. Queria apenas um gin. Passados cerca de 45 minutos, depois de algumas peripécias, vieram perguntar-me se sempre queria o gin.
Mandei o empregado e o dono do restaurante bugiar, dizendo-lhes que já não estava interessado nem no gin, nem no jantar.
O restaurante pareceu-me rasca, tendo-se pago  um valor elevado pelo serviço que não existia. Nem sequer havia nas mesas garrafas de água, quanto mais garrafas de vinho, vejam só! Quem quisesse beber vinho, ou água tinha que esticar a mão. Gin nem pensar!
Não comi. Recusei jantar. Pelo que vi, pareceu-me tratar-se de um roubo!
A Direção do Instituto nada fez para saber se o aluno Adérito e outros estavam ou não satisfeitos, ou se o valor justo do contratado estava de acordo com o serviço que estavam a prestar aos seus alunos. Quer dizer, deixaram o dono do restaurante à solta. Nada mais perigoso em jantares deste género. O Instituto bem podia ter perguntado aos militares como é que se negoceia com os restaurantes nos jantares de grupo.
Também não sei quem é a Diretora ou o Diretor do Instituto. Imagino que seja uma senhora bastante discreta, com quem costumo cruzar-me na sala comum e que entra assiduamente no Gabinete do Diretor.
No dia 16 coloquei o problema do dinner à minha consultant. Qual o meu espanto, quando ela me disse, com aquele ar que é só o dela, que eu estava a fazer uma tempestade num copo de água.   "Todas as outras pessoas gostaram imenso..." - dizia ela!!!
A consultant não entendeu rigorosamente nada do que lhe falei e, pela resposta, fiquei convicto de que não me conhece.
Pelo menos sei de quatro alunas, colegas minhas, que manifestaram também desagrado. No que diz respeito às professoras, duas são sul-africanas, três portuguesas e uma escocesa salvo o erro. Das professoras portuguesas, a mais nova tem, aproximadamente, a idade da minha filha. Todas parecem ser sensatas, sérias, competentes, discretas e interessadas. Se a Diretora do Instituto for a pessoa que  julgo ser, apesar de nunca termos falado, tenho-a em boa conta também quanto mais não seja, pela sua discrição.

A rececionista  a M não gosta nada de mim. Marca sempre os meus encounters para datas longínquas e de preferência com o dia partido, encounter de manhã, CC à tarde.  
No dinner de Natal ela levava um vestido lindíssimo bêge. Mulher muito interessante, quero dizer, muito bonita. Produzida como estava, arrasaria qualquer cartaz, até as mais convencidas. Só tive pena de ela nem sequer me ter dado um olá no jantar. Ficou à conversa algum tempo com o Rui que se sentara na minha mesa, também ele aluno. O Rui é simpático; fiquei a saber que é polícia e juntamente com a nossa colega  Paula criaram durante o jantar uma fundação, “Rui Rio para Presidente da República”. Não sei o que é que estas duas alminhas viram no homem. Bem que podiam promover-me a mim para Presidente. Eu também tenho a quarta classe feita desde os meus nove anos.

Tenho também um colega, de seu nome António, que  é um porreiraço e é professor de ténis. Tem andado a querer levar-me para a vida das raquetes. Já me disse o preço do fardamento e tudo. Pelas conversas que vai tendo comigo na sala de estudo, deduzo que o Tony tem um fetiche pela nova Consultant. Cá para mim, só há uma maneira de o tenista renovar a matrícula no Wall Street, que é passar a nova Consultant a fazer-lhe os Encounters, os CC e ainda o Estudo Acompanhado... Se isso fosse possível, o homem tornar-se-ia fã do Instituto forever, I´m sure. O Tony é daqueles moços com quem dá gosto conversar, por  cima do aroma de um café - é um gentleman!
 Conheci também três moças e mais dois rapazes colegas do curso, que são as pessoas com quem convivo mais de perto; um dos rapazes é guineense e o outro, o Sr. Janeiro tem 78 anos. O guineense chama-se Nasário, uma simpatia, de quem toda a gente gosta bastante. Quanto às moças referidas, todas sui generis. A Ana, a Irene e a Maria.
A Maria é uma falta de ar; é uma pessoa mais stressada que o próprio stress. Só de falar comigo fico cansado de a ouvir. É mais rápida que a sombra do Batman a fazer juízos de valor sobre as pessoas. Acha-se vidente. Já me fez uma bruxaria nas mãos, mas o resultado foi zero, pelo menos não dei por nada! Que coisa fantástica! 
A Irene responde sempre, whatever the subject, que quer ficar no seu cantinho, na sua casinha, na sua vidinha com a sua gatinha, no seu sofázinho, quentinha debaixo da sua mantinha, que não está para aturar homens nenhuns; - Ainda sobrou para mim, quando disse que tenho ar de ter muitas namoradas. “Fez-me lembrar a história do mau hálito. Sempre é melhor ter ar de ter muitas namoradas do que ter ar de não ter namoradas”. Termina sempre as conversas assim: - Não me dou bem com este país, com este frio, qualquer dia vou para o Brasil.
Adivinhem lá agora, com quem é que ela quer deixar a gata… comigo! Acontece que a gata também está sempre constipada! Estou mesmo a imaginar-me a carregar a gata para a urgência veterinária… Pode ser que a gata termine starving, se não souber caçar ratos. Quando se lhe pergunta: Irene tu respiras?!... Ela responde que sim, que respira, mas que respiraria melhor junto da sua gatinha.

A Ana é uma despistada. Combinámos encontrar-nos no café que fica por baixo do instituto. Ela entrou e saiu do café, sem me ver. Meteu-se no carro e bazou. 300 metros  mais à frente, telefona-me, perguntando onde é que eu estou, ao que respondi: - No café, como combinado… - Agora já não dá, tenho um compromisso!... replicou. A Ana tem sempre muitos compromissos e o tempo não lhe chega para nada. Anda sempre a correr. Tenho comigo o PC dela há cerca de dois meses e ela ainda não conseguiu um tempinho para o vir buscar. Pode ser que eu o venda na  feira da Ladra, ou no OLX qualquer  dia. Ela é o exemplo de uma pessoa capaz mas, verdadeiramente fugaz.

O Nasário foi pedir emprego como embarcadiço, mas chumbou no teste de Inglês. Contudo, o dono do barco gostou dele e mandou-o então fazer o curso de Inglês: - Vá fazer um curso de inglês e depois volte cá para falar comigo.
Como é menino obediente, assim fez! O Nasário é um dos meus compinchas do curso. É  negro distinto e muito engraçado. Há dias encontrou um telefone numa casa de banho do Centro Comercial. O telefone estava bloqueado eu disse-lhe: - Nasário, é melhor entregar isso à polícia que eles saberão rapidamente quem é o dono. E ele assim fez.

O Sr. Janeiro tem 78 anos. Podeis perguntar- me: - Por que carga d’água o Sr. Janeiro não está a passear no paredão, ou a resmungar lá em casa com a mulher e anda aqui a partir a cabeça com a English language? Pois aqui está uma das causas. Tem uma neta a estudar em Londres, pelo que o homem quer ir, em março, visitá-la. Descobrimos, qual Sherlock Holmes  que afinal a neta está na origem desta sua tenacidade. Força, Sr. Janeiro, a praia é Survival 3 unidade 12. Good luck!!!
Por estas e por outras, valeu a pena ter-me  matriculado no Wall Street English.

Adérito Barbosa  in olhosemente

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