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domingo, 25 de outubro de 2020

Em memória do meu amigo Joaquim Miranda


Em memória do meu amigo Joaquim Miranda
Hoje foi um dia triste para mim; soube do falecimento do meu amigo Joaquim Miranda.
Todos os Paraquedistas o conhecem. O Miranda foi campeão nacional de boxe. Ele era do CFS anterior ao meu. Mais tarde, nos meados dos anos 80, partilhámos o quarto na BOTP1. Era eu, ele, o Camões, o Prucha já falecido também, o Bernardo e o Moura.
O Miranda fazia duas vezes o meu tamanho. Grande, enorme que se fartava, trapalhão a falar quando ficava nervoso, tinha uns braços e umas maõs que metiam medo. Mesmo quando ele não tinha razão, eu dava-lha sempre, para não correr o risco de ele esticar a mãozinha, o que era uma chatice para a minha cara e para a cara de qualquer um.
O Joaquim passava a vida a cravar-me para eu fazer de Largador por ele, nos saltos. Como os pedidos começaram a ser mais do que muitos, disse-lhe:
- Grande, desculpa lá, isso assim não dá! Eu só faço mais de Largador por ti, se a partir de hoje me garantires a entrada no Alcântara- Mar, com direito a bebidas e tudo; sempre que houver por lá festa rija, desfiles e coisas assim, quero entrar pela passerelle; arranjas os convites. Sem isso nada feito!
Fechámos o negócio. A partir daquela data, passei a usufruir da passerelle vermelha no Alcântara-Mar, até que chegou o dia em que o Magalhães, mais conhecido por Detective, descobriu o acordo e passou a pendurar-se em mim, para poder entrar de borla na discoteca.
Eu nem precisava de procurar saber os dias em que havia festa no Alcântara. O Magalhães, Detective que era, sabia de tudo sobre a vida particular da malta, dentro e fora do quartel e tornou-se meu compincha das noites lisboetas.
Com as devidas recomendações do Miranda, fiquei conhecido do porteiro e sempre que chegava à porta lateral, era só entrar e começar a galar as moças que abundavam por lá.
Certo dia, o Detective disse-me que naquela noite havia uma gala qualquer no Alcântara-Mar e lá fomos nós com mais dois penduras. Falei com o porteiro, mas como ele não queria deixar entrar os outros três paraquedistas, armei um escândalo com ele e lá entrámos.
Aquilo estava cheio de malta, muitas luzes psicadélicas, uma barulheira dos diabos, raparigas que nunca mais acabavam, a dançar em cima das colunas eram tantas moças, que era mato. De vez em quando ia ao balcão buscar as bebidas para quatro registados em nome do Miranda, mesmo sabendo que só podia pedir três cervejas, apenas para mim, conforme o acordado. Eis que o Detective, já quentinho, lembrou-se do seguinte:
- Kadafi, vamos testar a eficiência dos seguranças do Grandalhão aqui dentro.
Já com umas cervejolas e whiskies não autorizados no bucho, começámos à estalada uns aos outros lá num canto. A música parou, acenderam os holofotes, abriu-se ali uma clareira e eis que aparece o Grande. Com aqueles enormes braços, olhou para mim e perguntou-me:
-Eh, pá! És tu que estás a fazer merda aqui dentro?
Só me lembro de ele me ter pegado pelos colarinhos e sem tocar com os pés no chão, dei comigo fora da discoteca e com uma dor do caraças no rabo pelo pontapé que me deu.
No outro dia, eu estava amuado com ele e ele zangado comigo, por causa dos distúrbios que provocámos lá dentro e o gajo a cobrar as bebidas consumidas, muito para além do combinado.
E assim ficámos. Passados uns dias, disse-me que queria pedir-me um favor, mas respondi-lhe logo de seguida:
- Eu não faço nada para ti, nunca mais!
Andou ali de roda de mim e lá me disse o que pretendia:
- Como falas francês, escreve-me lá uma carta para uma moça que conheci no Alcântara e retomas as entradas na discoteca.
Aceitei o desafio, ele começou a ditar as palavras amorosas e eu, no meu “franciú”, a escrever tudo, menos aquilo que o gajo ditava.
Ele, desconfiado, mandou-me ler a carta. Eu li-lhe a carta de acordo com o que ele tinha ditado, mas nada do que tinha escrito.
A carta seguiu. Passados uns dias, andava doido à minha procura, porque a moça respondeu à carta. Quando cheguei ao quarto, começou aos berros comigo e disse que me matava e aquelas mãos sapudas viraram-se contra o meu nariz. Uns dias depois, com raiva, apanhei-o a dormir, amarrei-o todo à cama e ele faltou à formatura.
Depois disso, pregámos-lhe uma partida, quando o transferimos, virtualmente, para a BOTP2. Furioso, foi ter com o nosso Comandante, dizendo, todo lixado, como é que estava a ser transferido, quando lhe tinha prometido exatamente o contrário.
- Vai lá saber quem é que te transferiu, porque eu não te transferi para lado nenhum!
Foi assim que descobriu que aquilo era tramóia do pessoal da Companhia de Comunicações.
Passados anos fui intervencionado no nariz, pois tinha o septo nasal desviado, todo torto da estalada que me deu.
Esteja ele onde estiver, ele vai ser chefe de segurança e vai cravar-me para fazer de Largador por ele e eu vou entrar novamente no Alcântara-Mar lá do sítio, mas sem o Detective e prometo não provocar distúrbios, nem escrever trapalhadas na carta, com coisas que ele não disse. Por isso, ao meu amigo Zé Grande desejo que descanse em paz, até eu chegar!
Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com

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