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sexta-feira, 11 de agosto de 2017

O resto é silêncio

O resto é silêncio
São seis horas da manhã, acordei cedo. Quero escrever qualquer coisa para não perder a destreza, mas não sei por onde começar. Está tudo parado, o céu está parado. Hoje nem vento, nem chuva, nem nuvens nem nada, tudo parado como se isto tudo fosse uma fotografia e eu personagem congelado nela, nem os pássaros andam por aqui, aqui não acontece nada, é um silêncio brutal, nem o cão do vizinho ladrou ainda, deve estar a dormir. Vejo que já não há ervas daninhas no quintal que danadas por estarem abandonadas decidiram crescer pelas juntas dos mosaicos à força toda e foram donas e rainhas deste quintal e do jardim por alguns anos. Agora não, agora renderam-se, catei-as uma a uma de joelhos no chão, cortei ramagem, arranquei troncos quando desconfiei que pudessem ser má vizinhança para os muros que, agora pintados de branco, orgulhosos, protegem a macieira que tem onze Maçãs Reinetas, já maiores das que vejo à venda no continente. A abacateira, que no ano passado forneceu abacates aos vizinhos da rua, e principalmente aos tipos da EDP que andaram a colocar iluminária de LED na rua, soube-o pela fofoqueira da rua: - Eles, os rapazes da EDP, com aquela coisa que sobe para poderem pôr as lâmpadas nos postes, subiram lá acima e apanharam o abacate todo, não deixaram nem uma.
Com medo que faça frio no inverno, e recomendado pela vizinha fui à loja do homem que vende recuperadores de calor: - Olhe, vá lá ao fulano tal, foi ele quem há tempos colocou o meu recuperador de calor. Lá fui eu então ver os preços e escolher o recuperador. Quando fui atendido pelo dono da loja, fiquei a saber que ele é dono de hérnias discais na cervical, tinha dores horríveis e sentia formigueiro nas mãos. Quando soube que eu era cliente assíduo dos neurocirurgiões e dos números das facadas que já levei, o homem ficou animado e por segundos pareceu-me que as dores dele se tinham ido embora. Mas não! O homem estava mesmo à rasca, porque voltou-se a queixar ainda com mais intensidade!
Com o fito em algum desconto disse-lhe: Olhe eu venho da parte da minha vizinha de seu nome Isaurinda, identifiquei o lugar e a rua.
- Já sei, já sei: é uma senhora que está numa cadeira de rodas, é aquela vivenda que tem uma abacateira? Bem… aquela abacateira… dá abacates do outro mundo e a mulher dele que estava presente no negócio sorriu, abriu os olhos quase que babava como quem diz: - É pá aqueles abacates eram mesmo bons!
Cá para mim, segundo a Isaurinda, só os gajos da EDP comeram os abacates. Mas este ano vou ficar de olho neles. O curioso é que a abacateira este ano não deu frutos na ramagem que dá para a rua, e só deu frutos nas ramagens do sector que está dentro quintal, porque será?
Uma palmeira que andava já pelas profundezas dos alicerces com os ramos quase a chegar ao céu, com ideias de fazer estragos no canteiro da rampa da garagem e do jardim também foi à vida, essa foi teimosa que se fartou. Chamei uma máquina e zás. A máquina pegou-lhe pelos cabelos e já foste. Pena foi que alguns mosaicos levantaram-se também eles e quiseram ir com ela. Mas aqui nem tudo é sossego, tem sido duro, ainda falta pintar o exterior da casa o que não se afigura ser Pera doce.

Adérito Barbosa in olhosemlente

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