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sábado, 7 de setembro de 2024

Viagem

 


Estou sempre com os mesmos dias  

já atolei a respiração nas insónias  

já fui náufrago na eternidade do instante,  

já fiquei noites adentro nas profundezas do sonho,  

já vi estrelas sussurrarem segredos,  

na cama onde nasceu a inquietude,  

e já descansei no jardim de medos e esperanças.


Já estiquei a mente como um elástico  

já me contorci até o infinito,  

já fui prisioneiro voluntário  na cela do abismo, 

onde as sombras dançam  

com a luz que não existe

mas teima em me encandear.


Já dormi destapado, de olhos abertos  

como um farol num mar sem fim,  

já vivi desesperado e confundido  

como um caleidoscópio de sentimentos,  

já rasguei as memórias atrozmente belas,  

e já dei golpes profundos nas lembranças  

e fantasias.


O que me corrói por dentro,

flui como um rio subterrâneo  

nas cavernas do meu ser…

é uma gota, é uma lágrima de tempo,  

é a angústia em êxtase.  

Sou como um búzio que guarda  

o som do universo, e nas noites  

envia a melodia do silêncio.


Estou sempre com os mesmos dias,  

vago entre o real e o que me espera,  

sou um peregrino na terra dos sonhos,  

onde cada passo é um suspiro,  

cada batida do coração é um relâmpago  

na minha tranquila tempestade.


E assim sigo, pela madrugada que vivo,  

onde a luz se apagou  

e a escuridão se fixou.  

De espada cravada na alma,  

sigo com a terra o perpétuo movimento  

e, quando acordo, já é dia outra vez…

E assim há-de ser enquanto o poeta viver.


Adérito Barbosa, in olhosemlente.blogspot.com

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