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sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Uma Vez Ladrão, Sempre Ladrão

                      

“Em memória do meu Avô Armando Cardoso”



Uma Vez Ladrão, Sempre Ladrão


No dia 18 de março de 2015, sob o céu claro de Rui Vaz, o Sr. José Maria Neves, então chefe do governo, chegou para mais um dos seus atos públicos: a inauguração de uma nova escola. Os olhos dos curiosos brilhavam, e a pequena multidão reunida no local vibrava ao som de aplausos, mas nada poderia esconder o vazio por trás das palavras que ele lançava ao vento. Com um sorriso ensaiado e frases mal pronunciadas mas moldadas para agradar, Zé Maria cortou a fitinha, proclamando que aquela obra seria uma bênção para o povo e transformaria vidas. Mas a verdade, oculta por trás da euforia do momento, era bem mais sombria.


Aquele partido, o PAICV, tinha se transformado numa máquina de abuso de poder, e o Sr. José era apenas mais um dos que se serviam desse sistema. Por detrás do idealismo aparente, eles apoderavam-se não apenas dos recursos do Estado, mas também das propriedades e dignidade de cidadãos comuns. A ascensão de um regime inspirado por ideais leninistas trouxe consigo o pior do autoritarismo: uma estrutura que oprimia e negligenciava os mais vulneráveis, enquanto os poderosos erguiam suas fortunas à sombra do monopólio político.


Armando, meu avô, foi uma dessas vítimas silenciosas, esmagado pelo sistema. Era um simples lavrador, nascido e criado nas terras de Rui Vaz. Durante toda a sua vida, cultivou a terra com as próprias mãos, acreditando que o suor que derramava um dia voltaria em forma de colheitas. Mas o governo, com sua sede insaciável de poder, viu naquelas terras uma oportunidade. E assim, sem qualquer aviso, sem uma compensação justa, duas parcelas de terra foram arrancadas das mãos do meu avô.


No terreno que é da minha família, construíram uma escola que o Sr. José inaugurou com tanto orgulho. Para ele e seus comparsas, o sacrifício de um lavrador surdo era irrelevante, menos que nada. E, como se a humilhação não bastasse, um ministro, aproveitando-se da situação, construiu uma casa de férias numa outra parcela das terras de Armando. Sem permissão, sem consulta e sem vergonha.


Naquele dia, enquanto a fita era cortada e os aplausos ecoavam no ar, eu, único neto em quem meu avô confiava, estava a milhares de quilómetros da escola, sem sequer imaginar que o estavam a roubar. O Sr. José, com seu discurso enfeitado, não era um líder, mas sim um ladrão, que tirava dos pobres para manter o poder nas mãos de uma elite dentro da elite. O governo roubou o que era do meu avô, assim como roubou a dignidade de muitos outros.


Ali, onde deveria ter nascido uma escola que trouxesse conhecimento e oportunidades, ergueu-se apenas o símbolo da burrice. Aquele terreno, que um dia pertenceu à nossa família, tornou-se a pia batismal da ignorância, onde o ensino em crioulo foi reservado para os filhos dos pobres. Da terra, restou apenas o amargo sabor da injustiça, e a memória de um avô que lutou, mas perdeu para as mãos frias do poder.


E assim se entende por que José roubou para dar à namorada: ele está habituado a roubar. Uma vez ladrão, sempre ladrão.


Adérito Barbosa in olhosemlente.blogspot.com.

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