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segunda-feira, 2 de julho de 2018

Herói rasca

Herói  rasca

Noite passada fui ao Bar Danau no Baleal tomar café, e alegrar a vista.
Foi um fiasco total. Produto de beleza para a minha idade, zero. Era tudo canalhada, entenda-se rapaziada nova que passam o dia a surfar ondas e à noite tomam umas pilecas ou surfam nos copos.
No Bar Danau aos domingos há música ao vivo. Ontem actuou lá uma banda composta por 4 irmãos: três tocavam e o quarto membro, mais velho, era tipo engenheiro de som, daqueles que fica de copo na mão no meio da sala a ouvir e a dar indicação aos irmãos. Fiquei com a ideia que o tipo anda à boleia dos manos para beber uns copos à borla.
Os rapazes tocavam bem e o som estava bem calibrado, ambiente simpático, mas músicas de constituir família anglo-saxonicas e country não são ondas para o meu ouvido surfar. Eu surfo na crista das ondas do rock progressivo.
Não havendo nada para lavar a  vista, arranjei a companhia de um whiskey e de um café - pago ao balcão 6,70€.
Na debanda do balcão em direção à mesa, levei por arrastão o jornal CM - apesar de não ser consumidor.
Passei por cima das facadas, mortes, roubo, sangue, cadáveres, e da miséria humana dos classificados, eis que na penúltima página encontro uma coisa em forma de notícia que também não era notícia - um texto muito bem escrito sobre o forrobodó montado em lisboa à volta de um sujeito que por acaso já morreu de seu nome Zé Pedro dos Xutos.
Pela primeira vez na vida li um texto no CM com o qual me identifiquei. O texto rezava indignadamente uma missa sobre a histeria dos  Vereadores, do Presidente da CML, do Presidente da República, do 1.º ministro, deputados da nação, gente finória  e carneiros - estavam lá todos, aos saltos e aos pinotes no palco do Rock in Rio, exigindo a Deus  um lugar ao sol para alma do Zé Pedro e quem sabe cogitando a transladação das ossadas dele para o Panteão Nacional, cantarolando em uníssono a Minha Casinha.
Toda a gente conhece a música a Minha Casinha dos Xutos e Pontapés, mas o que muito pouca gente sabe é que essa canção não é um original do Xutos e Pontapés, mas sim letra da autoria de Silva Tavares, e música de António Melo. Música esta que ficou conhecida ao ser cantada por Milú no filme Costa do Castelo.
Zé Pedro, certamente era um gajo porreiraço, fumou ganzas, chutou charros que se fartou, bebeu shots  até mais não, intravenou com material pesado nas veias, snifou, curtiu a vida e morreu.
O país lambisgoio não pára de o glorificar.
Heróis: são os militares mortos na 1.ª guerra mundial, nas três guerras de África e Bósnia.
Heróis são os militares da GNR mortos ou feridos em serviço, são os agentes da PSP baleados em serviço, os Bombeiros que dão a vida pelos outros, o cidadão anónimo que arrisca e sacrifica a sua vida em prol dos outros.
Zé Pedro que me perdoe, ele não é herói merda nenhuma!

Lletra original da Minha casinha.

Que saudades eu já tinha
Da minha alegre casinha
Tão modesta como eu
Como é bom meu Deus morar
Assim num primeiro andar
A contar vindo do céu
O meu quarto lembra um ninho
E o seu tecto é tão baixinho
Que eu ao ir p’ra me deitar
Abro a porta em tom discreto
Digo sempre senhor tecto
Por favor deixe-me entrar
Tudo podem ter os nobres
Ou os ricos de algum dia
Mas quase sempre o lar dos pobres …
Tem mais alegria
De manhã salto da cama
E ao som dos pregões de Alfama
Trato de me levantar
Porque o Sol meu namorado
Rompe as frestas do telhado
E a sorrir vem me acordar
Corro então toda ladina
Minha casa pequenina
Bem dizendo o solo cristão
Deitar cedo e cedo erguer
Dá saúde e faz crescer
Diz o povo e tem razão
Tudo podem ter os nobres
Ou os ricos de algum dia
Mas quase sempre o lar dos pobres
Tem mais alegria

Adérito Barbosa in olhosemlente

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