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segunda-feira, 27 de abril de 2020

Paraquedistas belgas na BETP - Tancos


Ser justiceiro na BETP conferiu-me alguns privilégios.
Havia sempre uma ou outra cerveja de borla no clube, tinha acesso aos petiscos, era bem aceite no meio dos doutores e almoçava quando queria na mesa do Mor e dos chefes.
Eu era provavelmente o menino bonito do Mor Alves, mas tinha um azar dos diabos…
Houve pancadaria no Entroncamento com os ciganos - estava, por acaso, perto e acabei metido naquilo. Quando fui à GNR tratar da papelada referente aos militares identificados no motim, o cigano que estava para ser ouvido, assim que me viu, começou a gritar:- Ai mãe! Ai mãe! Esse era o chefe deles...
Houve uma viatura de um militar enfiada num lago - acabei metido no processo de afundamento da viatura sem culpa nenhuma!
Houve a destruição dum bar de alterne, o Chaminé em Torres Novas - acabei também metido naquilo, por mero acaso - Perigo era a minha profissão!!!
Eu só tinha ido beber umas canecas com os belgas e enfiar umas mentiras às moças. O nosso comandante, Coronel Lousada, não conseguia meter na cabeça que essas coisas aconteciam comigo por mero acaso. Sempre acossado pelo Mor, achava que eu era o mentor de todas as desgraças que aconteciam na Base Escola. Um dia disse-me: - Barbosa, estou já farto de saber que estás metido em todas as merdas, pá! Fazes mais alguma e dou-te uma porrada!
É sobre o Chaminé que vou falar.
Julgo tratar-se do último dia de saltos para os belgas; houve ordem de soltura para os jantares convívio entre portugueses e belgas.
Como eu falava “franciú” melhor que um papagaio, levei alguns graduados belgas, oficiais e sargentos ao Chaminé. Casa cheia de paraquedistas belgas e portugueses, Todos trajados à civil, atracados e bem acompanhados. Muitas, muitas cervejas. Também havia por lá caras estranhas ao balcão e com ar suspeito; mais tarde vim a saber tratar-se de proxenetas.
Gargalhadas, whisky, cerveja, laranjada com sombrinha a enfeitar as taças; o champanhe corria com mais abundância do que as águas do Tejo.
Seguindo o lema onde se senta um paraquedista sentam-se mais três, conseguimos sentar-nos.
Não sei o que aconteceu, mas acho que um português apalpou uma moça... Dei conta que já havia um gajo dos nossos com uma cueca de senhora enfiada na cabeça - os chulos não acharam graça e começou a pancadaria!
Um militar belga, para pôr ordem na casa, despoletou uma granada de fumo e foi um caos dentro do Chaminé e o resto não preciso de contar…
Dado o alarme à PSP, saímos todos a correr para os táxis.
No outro dia, depois da corridinha para higienizar os pulmões da fumarola da noite anterior, quando cheguei à secção de justiça por volta das 10:30, estavam o nosso comandante e o major com cara de poucos amigos:
- Barbosa, pegue na mala porque vamos sair com o nosso comandante.
O major a conduzir, o comandante no lugar do pendura, eu atrás com a mala de detetive ao lado e vejo que tomam a direção de Torres Novas; mais adiante, dei conta que íamos para o Chaminé.
Quando entrámos, estava o dono completamente transtornado. Do que vi parecia que tinha passado lá dentro uma manada de elefantes, seguida de uma vara de javalis; tudo partido, tudo revolto; as paredes estavam todas negras e manchadas.
Fui passando para o papel as descrições dos estragos que o major ia relatando e outras que o dono fazia questão que constassem no relatório de estragos. Feito o apanhado, o dono do “bataclan”, simpático para com o nosso comandante, fez questão de oferecer um Favaios num reservado.Quando o gajo esticou o copo para mim, olhou-me e disse:
- Você esteve cá ontem! Respondi: - Eu? Eu não!
Teimoso, insistiu: - Se não era você, era alguém muito parecido!...
A conversa morreu por ali e fiquei descansado, convencido de que me tinha safado.
Quando estávamos perto da base, o nosso comandante virou-se para trás com a maior calma do mundo e disse:
⁃ Barbosa, resolva este assunto e tratem de pagar os estragos ao proprietário do bar. Eu sabia que você estava metido!!!
Acrescentou o major com aquele bigodinho à Clark Gable.
⁃ Eheheh, olha quem...
Nem fui almoçar; chamei o tenente paraquedista belga, disse-lhe que a espoleta da granada pertencia ao lote de granadas belgas e que o nosso comandante mandou resolver a coisa por via não oficial. Caso contrário, passaria o assunto para o comando belga, mandava instaurar um processo e apanhávamos todos pela mesma bitola. Por acaso ele era o tesoureiro da delegação e como trazia com ele uma mala grande cheia de dinheiro para eventualidades, lá fomos pagar.
Depois de pagar, dei conta que o dono da Chaminé tinha duplicado o número de cadeiras, mesas, copos e até as paredes tinham sido pintadas três vezes.
Confrontei-o com isso, ao que respondeu:
- Você acha que alguém pagou as despesas naquela noite? Ficou ela por ela!


Foto: almoço da minha despedida dos Páras - Messe de Monsanto

Adérito Barbosa in olhosemlente



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