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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Contos para criancinhas

Contos para criancinhas

Era uma vez um país, pequenino, que se situava na parte mais ocidental da Europa. Era tão pequenino, tão pequenino que sonhou um dia ser grande, grande como os mais importantes. Era um país de valorosos navegadores, de gente guerreira e de obstinados descobridores. Naquele tempo, todos esses destemidos e valorosos guerreiros e descobridores se foram embora do país. Uns pelo mar fora, outros por terra, via Badajoz, Vilar Formoso ou Caminha, uns a pé, a salto, de madrugada, com guias, outros a cavalo e outros, ainda, até de furgoneta foram. Foram-se embora à procura de uma vida melhor. Quem ficou, então, nesse país? Ficaram uns cobardes de quem hoje nós somos descendentes. Isso mesmo, uns cobardes, de quem somos descendentes.
Esses cobardes não se aventuraram a seguir os seus heróis e passaram séculos a viver das remessas enviadas pelos seus valorosos.
O país situava-se junto duma grande urbanização de luxo, conhecida por Europa, para onde tinham ido os nossos melhores. O país dos descendentes dos cobardes não conseguiu crescer e nunca  passou de um  simples bairro de  lata, que estragava a visibilidade aos habitantes do condomínio Europa.
Esta, por sua vez, vivia segundo um padrão social criado por uma civilização muito antiga conhecida por Grécia. A Grécia foi quem fundou a civilização europeia ao abrigo de uma tal doutrina democrática, que consistia na criação dum espaço de todas as liberdades, de defesa dos cidadãos contra os abusos dos poderes, de progresso social, económico e científico, de paz e de segurança comum — a que se juntou depois a difícil tarefa de a englobar também num espaço económico comum, sem fronteiras comerciais e cimentado numa moeda única.
A igualdade à nascença entre os países ricos era uma realidade; contudo, a isso sobrepuseram-se as desigualdades, com a chegada dos países pobres e dos descendentes dos cobardes de outros tantos países pobres. Criaram então uma coisa, a que deram o nome de sala de mercados e construíram estufas, onde cultivam um produto a que chamam de "dívidas públicas", com  diferentes regimes fiscais, de acordo com a riqueza de cada um. Houve países que só recebiam e tinham juros negativos para ficar com o dinheiro, enquanto outros eram sufocados com taxas que nem ao diabo lembrariam. Com o acentuar das desigualdades, pensaram então juntar tudo - ricos e pobres para dentro do mesmo saco. Se se pensar no ditado do povo, que diz “junta-te aos bons e serás como eles”, a coisa já não se aplica a pobres e ricos . Se um pobre se juntar a um rico, o resultado é que o pobre fica mais pobre e o rico fica mais rico. Foi com base nesta lógica que os países mais pobres, incluíndo o país dos cobardes de quem somos descendentes, entraram naquela urbanização...
Esse país recebeu dinheiro, coisa a que já estava habituado,  não cresceu, mas também não fez nada para isso; enfiou a cabeça, cada vez mais, no vespeiro alemão e ali foi gaseado; hoje assume e até repete, melhor que qualquer autómato programável, os ideais alemães como uns, desculpem o termo, “alemõezinhos”. E mais,  mandaram uma "alemoazinha", desculpem lá outra vez o termo, uma loira, descendente dos cobardes, deixar-se fotografar, para compor um quadro, junto de um sujeito em cadeira de rodas que desde há quinze anos, como ministro alemão, tem vindo a ofender os gregos e os pobres europeus.
Ela fê-lo a troco não sei de quê, mas imagino. Ela papagueia no mesmo diapasão, esquecendo que tem tudo a ganhar, se se mantiver anónima, ou do lado do pobre que está a exigir respeito. Quando vi a cena, pensei, por momentos, nas montras das ruas do Red Light District de Amsterdão, onde as loiras, a troco de euros, fazem de tudo à malta. Não fiquei chocado com o que estava a ver, porque, frequentemente, quando há relações de muita proximidade entre o professor da faculdade e as alunas, não se sabe como começam, mas sabe-se como acabam e o mesmo se passa, quando uma professora é muito amiguinha do aluno. Não me digas que… bem!!!
Tal como a Grécia, o país dos cobardes também tudo perdeu, pelo que pouco ou nada tem a perder. O programa da troika para a Grécia, para a Irlanda e para o país dos descendentes dos cobardes, fruto de uma irresponsável incompetência e de uma vontade punitiva amoral, produziu centenas de milhares de desempregados e novos emigrantes, reduziu o Estado social a zero, cilindrou a classe média e acabaram com aquilo que eram as empresas de referência. Neste momento, o tal país (dos descendestes dos cobardes) tem cerca de 138% de défice do PIB e ainda dizem que estamos no bom caminho…        

- Ó Pedro, continua  a mandar a moça lamber os tomates a Wolfgang Schäuble que fazes bem, porque para ele, isso não é uma história de criancinhas, não!...

Adérito Barbosa  in olhosemente

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