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quarta-feira, 16 de maio de 2018

O que tenho de mim


É tudo o que tenho de mim, Saudades…
Recordo a minha infância, As minhas traquinices.
Ser polícia foi o primeiro sonho, depois bombeiro, depois médico,
Depois piloto, depois cantor, seminarista, escritor… taxista, até bombista quis ser! Mais tarde pensava ser cozinheiro num hotel. Grande… ser chefe!…
Por fim apareceram, na TV a preto e branco, os anúncios dos Pára- quedistas. Foi para as tropas Pára-quedistas que me precipitei de corpo e alma.
Saltar de avião em queda livre foi sentir-me livre como um pássaro! Voei, voei e fui dono de mim no ar.
Mas antes, muito antes, fascinava-me ouvir o homem que cantava dentro do rádio. Por isso tornei-me electrotécnico.
Sinto saudades do cheiro a camarata do colégio. Saudades do medo, de ter medo de me enganar nas leituras das epístolas dominicais.
Tudo isso me faz sorrir agora. E, aqui do alto desta colina, vejo o mundo de cima e entendo como é ele redondo. Se seguir sempre em frente torno de novo a este lugar.
A vida levou-me a inocência toda, até levou os meus sonhos, mesmo os mais bonitos e até os mais húmidos levou. Tenho saudades daquela atrapalhação toda, daqueles 15 anos.
O tempo, esse fez-me mais largo, mais calmo, faz-me pensar no passado, pensar com nostalgia aquele mundo que era só meu.
Pairam sobre o vale as névoas de lembranças que não quero esquecer e aquelas palavras embargadas que ficaram por dizer, nos momentos de raiva.
Não quero que ela me devolva as cartas! Será que as leu todas? Nunca tive resposta, não faz mal…
Não quero que me olhem como me olhavam, nem quero que me desejem como desejaram
Lembra-me somente aquele meu sorrir… o meu olhar… ao espelho. Lembra-me também as histórias, sempre iguais, as que a minha mãe contava. Pois é, é assim que me vou lembrar… Devagarinho, suavemente, até o tempo o consentir!…
Hoje, revi-me novamente, percorri o tempo com a ponta dos dedos, reli-me nos olhos e beijei na boca de ninguém como num sonho.
Vim a correr a abraçar-me, fiz-me esquecer as loucuras da inocência perdida.
Sussurrei-me ao ouvido a palavra "amigo". É urgente trocar, disparar e andar.
Deixo-me ficar até cair a noite branda… Abandono-me em mim, quero acreditar que a ir, vou ter à eternidade… Não sei quanto tempo fiquei assim, nem me importo… Despertei-me e olhei em volta… Não vejo nada!
Sorrio, sinto uma força imensa para continuar a ter saudades dos meus sonhos de menino, feito de nadas e de certezas. Cheira-me ao passado, porque o meu futuro é agora.
Já tenho saudades do agora!

Adérito Barbosa. Adérito Barbosa in olhosemlente
do livro Clave de dó sem dor

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